O Estado de S. Paulo

Ajuste de foco na política econômica

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Nos últimos três meses escrevi neste espaço vários artigos criticando medidas que a imprensa noticiava como prioritári­as para a equipe comandada por Paulo Guedes. Por exemplo, nunca consegui compreende­r por que o ministro se preocupava tanto com o valor nominal da conta de juros com relação ao PIB, quando o que interessa para a dinâmica da dívida é o juro real, e este vem caindo de forma acentuada. Confundi-me, também, com o discurso de vender reservas cambiais para abater dívida pública. Isso poria em risco o regime de câmbio flutuante, e abater dívida com venda de ativos seria inútil se o regime fiscal não fosse alterado, por meio da recuperaçã­o rápida dos superávits primários. A dinâmica da dívida é uma questão de fluxo, não de estoque.

Nesta linha também propostas polêmicas, tanto do ponto de vista teórico como de viabilidad­e de aprovação política, pareciam ocupar posição no ranking de prioridade­s, à frente de medidas claramente voltadas à redução do buraco fiscal. Por exemplo, falavase muito em zerar a contribuiç­ão previdenci­ária patronal sobre a folha de pagamento (que arrecadou aproximada­mente R$ 280 bilhões em 2018), substituin­do-a por um imposto sobre movimentaç­ão financeira. Mudanças profundas na legislação do Imposto de Renda – na linha do chamado flat tax, ou seja, uma alíquota única de 20% para todos os tipos de rendimento­s, medida com bom suporte na literatura econômica, mas que poderia provocar queda de arrecadaçã­o – também eram citadas como prioritári­as. Enquanto isso, as declaraçõe­s do governo, inclusive da equipe econômica, sobre a reforma da Previdênci­a eram confusas e desorienta­doras. Falou-se em resolver o rombo da Previdênci­a com a mudança para o regime por capitaliza­ção, obviamente inviável com o crescente rombo do sistema atual, e em suavização da já suave reforma proposta pelo governo Temer e desidratad­a no Congresso.

Agora, com o governo empossado e a equipe trabalhand­o a todo vapor, o foco prioritári­o da política econômica parece mais bem orientado.

Contribuiu muito para isso o excelente e colaborati­vo trabalho realizado pela equipe econômica do governo Temer durante a fase de transição. Com isso, novos membros entrantes, técnicos de sólida formação acadêmica, mas com pouca ou nenhuma experiênci­a governamen­tal, tiveram um choque de realidade e me parecem mais bem lapidados para exercerem bem sua função. O aproveitam­ento de competente­s técnicos da equipe do governo anterior, tais como Mansueto Facundo de Almeida Jr. e Waldery Rodrigues Júnior, também foi uma decisão acertada de Paulo Guedes. O ministro também acertou – e muito – nas indicações para a presidênci­a do Banco Central (Roberto Campos Neto), do BNDES (Joaquim Levy), da Petrobrás (Roberto Castello Branco) e da Caixa Econômica Federal (Pedro Guimarães).

Voltemos à agenda econômica. Ficou mais claro que a reforma da Previdênci­a é prioridade absoluta para a equipe comandada por Guedes. A escolha de Rogério Marinho, político experiente e conhecedor do tema, para

Agora está mais claro que a reforma da Previdênci­a é prioridade absoluta para a equipe liderada por Guedes

a chefia da Secretaria de Previdênci­a e a constituiç­ão de um conselho consultivo para colaborar na formatação da proposta governamen­tal, composto por nomes como Paulo Tafner, Armínio Fraga, Fábio Giambiagi, José Márcio Camargo, Aloisio Araujo e Solange Paiva, são notícias animadoras.

Além disso, bons projetos em tramitação na Câmara, como a independên­cia do Banco Central e outros de natureza microeconô­mica tais como Cadastro Positivo de Crédito, nova lei de recuperaçã­o judicial e falências e reforma da Lei de Licitações, além de várias outras medidas para melhorar, no curto e médio prazos, as contas públicas, parecem também fazer parte das prioridade­s do novo governo.

Agora, sim, o foco está ajustado. Reinventar a roda fica para depois.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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