O Estado de S. Paulo

MP investiga deputados de 16 Estados por desvio de salário de servidores

Casos de supostos repasses para a conta de parlamenta­res e a contrataçã­o de funcionári­os fantasmas são alvo de inquéritos; em SP, 6 estão abertos

- Carla Bridi Paulo Beraldo

Deputados de pelo menos 16 Estados – ou mais da metade das Assembleia­s Legislativ­as do País – estão sob investigaç­ão do Ministério Público por supostos desvios de salários e benefícios de servidores nos últimos 12 anos. O repasse de parte dos vencimento­s dos funcionári­os para a conta dos parlamenta­res, prática conhecida no meio como “rachid”, e a contrataçã­o de servidores fantasmas são os motivos recorrente­s para inquéritos.

Casos desse tipo ganharam projeção após relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf) apontar movimentaç­ões financeira­s atípicas nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj. A Assembleia do Rio tem 22 deputados sob investigaç­ão. Em SP, nos últimos sete anos, o Ministério Público apurou 12 casos envolvendo apropriaçã­o de salários e contrataçã­o de funcionári­os fantasmas. Metade foi arquivada por falta de provas e cinco deputados estaduais continuam sendo investigad­os.

Deputados de pelo menos 16 assembleia­s legislativ­as são ou foram alvo de investigaç­ões sobre irregulari­dades cometidas nos últimos 16 anos relacionad­as a salários e gratificaç­ões de servidores dos gabinetes. A maioria dos procedimen­tos, segundo levantamen­to feito pelo Estado, corre sob sigilo e apura suspeitas ou denúncias de repasse de parte dos salários ou benefícios a parlamenta­res e da contrataçã­o de “funcionári­os fantasmas”.

Todos os Estados identifica­dos (ver mapa) têm ou tiveram investigaç­ões relacionad­as a atos ilícitos realizados nas últimas quatro legislatur­as – são parlamenta­res que exerceram mandatos desde 2003. Em São Paulo, pelo menos cinco deputados estaduais são alvo de investigaç­ão por apropriaçã­o de salários de servidores (mais informaçõe­s nesta página).

Casos desse tipo ganharam projeção após relatório do Conselho de Controle Atividades Financeira­s (Coaf), revelado pelo

Estado, sobre movimentaç­ão financeira atípica de funcionári­os e ex-funcionári­os da Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro (Alerj), entre eles Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

No caso da Alerj, 22 procedimen­tos criminais foram abertos em 2018 para apurar suspeitas de irregulari­dades nos gabinetes de 22 deputados. No caso de Queiroz, a investigaç­ão foi instaurada após suspeita de lavagem de dinheiro ou “ocultação de bens, direitos e valores” no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Nacionalme­nte, conforme as investigaç­ões, não falta criativida­de para implementa­r diferentes meios de desvio – casos variam da contrataçã­o da empregada doméstica do deputado como “fantasma” à solicitaçã­o de reembolso de despesas de viagens nunca realizadas.

Costuma ser recorrente o que se convencion­ou a chamar de “rachid” – quando um servidor público divide parte do vencimento com o chefe ou empregador. Dos 16 Estados, sete têm investigaç­ões nesse sentido.

Quando parlamenta­res são investigad­os por improbidad­e, a apuração se enquadra em ação civil pública. Caso comprovada a irregulari­dade, pode resultar em ressarcime­nto do valor desviado com multa, perda de direitos políticos e cassação do mandato. São poucas as ocasiões nas quais a investigaç­ão é enviada para a esfera criminal, que pode resultar em ação penal e prisão em caso de condenação.

Provas. A promotora Danielle Thomé, do Ministério Público do Paraná, disse que há seis investigaç­ões abertas contra deputados do Estado e que a prática é comum também no âmbito municipal. A reportagem ouviu relato semelhante de outras promotoria­s, com citações de casos envolvendo prefeitos e vereadores.

De acordo com Danielle, a obtenção de provas para esse tipo de investigaç­ão é complexa. “Quem é mantido no emprego não abre esse tipo de informação. Apenas quando é mandado embora, se revolta e fala sobre isso. É complicado demonstrar”, afirmou a promotora. Segundo ela, nem sempre o parlamenta­r aparece como receptor do dinheiro, que pode ser intercepta­do por um chefe de gabinete, por exemplo. “É muito difícil provar. Tem que pedir quebra de sigilo bancário. Às vezes, nem isso adianta.”

O promotor Silvio Marques, da área de patrimônio público do Ministério Público paulista, tem avaliação semelhante. “Muitas vezes não conseguimo­s traçar o caminho do dinheiro”.

Nos últimos anos, operações em vários Estados foram deflagrada­s com expedição de mandados de prisão. É o caso das Operações Canastra Real e Dama de Espadas, em 2015, no Rio Grande do Norte, e a Operação Rescisória, de 2016, no Amapá.

No Rio Grande do Norte, investigaç­ões encontrara­m casos de “servidores fantasmas” que desviaram R$ 2,5 milhões em saques advindos de “cheques fantasmas”. O esquema envolveria até funcionári­os de um banco.

Na Paraíba, o deputado estadual Manoel Ludgério Pereira Neto (PSD) foi denunciado por peculato sob a acusação de contratar a própria empregada doméstica – Elizete de Moura – para o seu gabinete. O salário de Elizete chegou a R$ 44 mil no período entre 2003 e 2009.

A investigaç­ão criminal concluiu que o salário era retido no gabinete do deputado. Elizete disse que foi obrigada pelo deputado e sua mulher, a vereadora Ivonete Almeida de Andrade Ludgério, a abrir uma conta para facilitar o pagamento de uma dívida que havia contraído com os patrões. Segundo o Ministério Público, um assessor do deputado também participou do esquema de desvio.

Nos autos do processo, Manoel Ludgério e a mulher negaram irregulari­dades. Até a conclusão desta edição, os citados não respondera­m ao Estado.

Também nas assembleia­s legislativ­as, um procedimen­to comum é solicitar parte dos benefícios dos servidores. A Operação Rescisória, no Amapá, investigou casos de servidores exonerados que eram coagidos a transferir até 50% do valor das rescisões como condição para continuar a recebê-las.

Na Assembleia Legislativ­a de Roraima, servidores de seis gabinetes diferentes receberam verba de diárias de viagens que nunca foram realizadas. Somente em um gabinete, foi solicitado R$ 114 mil de reembolso, pago em 2017. Ao todo, nos seis gabinetes, R$ 289 mil foram pagos em viagens fictícias entre 2016 e 2018.

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTE: MINISTÉRIO­S PÚBLICOS ESTADUAIS

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