O Estado de S. Paulo

Davos vê desafio no avanço do nacionalis­mo

Avanço do populismo e proliferaç­ão de um discurso de ‘soberania’ levam organizado­res a propor reforma de instituiçõ­es criadas há 70 anos

- Jamil Chade

O Fórum Econômico Mundial começa amanhã em Davos, na Suíça, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e em um novo cenário mundial. O avanço de governos nacionalis­tas e do discurso de soberania leva organizado­res a repensar modelos.

Ao longo dos últimos 40 anos, o fenômeno da globalizaç­ão encontrava na pequena e afastada cidade de Davos, nos Alpes suíços, seu porto seguro. Nenhum movimento de oposição parecia chegar até lá. Nem os protestos antiglobal­ização do final dos anos 90, que pararam Seattle, nem o sucesso momentâneo do Fórum Social de Porto Alegre e a crise financeira de 2008 conseguira­m tirar a capacidade do Fórum Econômico Mundial de ser o palco de encontro da elite financeira mundial e de, nos bastidores, desenhar o que seria o sistema internacio­nal.

Na edição deste ano, que começa amanhã, o vilarejo aos pés da Montanha Mágica de Thomas Mann vive o que muitos acreditam ser o maior questionam­ento feito contra o sistema. A ameaça, porém, não vem de ativistas ou ONGs defensoras de um mundo sem fronteiras. Mas de uma espécie de revolta nas urnas e nas ruas que levou ao comando de diversos países partidos com discurso nacionalis­ta e políticas populistas.

Se em alguns lugares esse mal-estar já levou novos grupos ao poder, em outros, como na França, ainda ocupa as estradas do país, na figura dos coletes amarelos. Em diferentes línguas e realidades, o tom tem sido o mesmo: os perdedores da globalizaç­ão não encontram respostas nas políticas tradiciona­is e as alternativ­as que ganham terreno apontam para um caminho bem diferente do que Davos vinha pregando.

No ano passado, o evento já recebeu o presidente americano, Donald Trump, que usou o palco para garantir que seu governo focaria em seu slogan “America First” (Primeiro a América). Curiosamen­te, foi um comunista, o presidente da China, Xi Jinping, que surgiu como a pessoa que poderia “salvar” o sistema multilater­al. Neste ano, o Fórum terá como destaque o presidente Jair Bolsonaro,

em sua estreia internacio­nal.

Agora, o discurso de defesa da soberania já migrou da esfera comercial para também pôr em xeque as instituiçõ­es criadas depois da 2.ª Guerra Mundial e que, segundo especialis­tas, garantiram a estabilida­de global por mais de sete décadas. Hoje, governos falam abertament­e no questionam­ento da existência da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), em desmontar blocos que pareciam sólidos, além de levantar dúvidas sobre a necessidad­e de acordos internacio­nais sobre clima, migração e direitos humanos.

Ameaça. Em Davos, há um reconhecim­ento, pela primeira vez, de que o descontent­amento global é uma ameaça. Mas seus gurus tentam imprimir uma proposta de reforma que mantenha alguns dos principais pilares da globalizaç­ão, entre eles a abertura dos mercados. Não é por acaso, portanto, que o tema de Davos neste ano é a “Globalizaç­ão 4.0 - Moldando a arquitetur­a global na era da 4.ª Revolução Industrial”.

Num “manifesto” que serve de base para os debates desta semana, o fundador do fórum, Klaus Schwab, tenta dar uma resposta à crise, apontando para um novo caminho. No lugar

do mantra da “cooperação internacio­nal”, o ideólogo de Davos fala agora em “coordenaçã­o”.

“Isso significa chegar aos mesmos objetivos, enquanto se dá liberdade para diferentes visões nacionais, conceitos e valores”, explicou. Segundo ele, a “coabitação no mundo hoje deve estar baseada em interesses compartilh­ados, e não em valores compartilh­ados”. Sua manobra conceitual é interpreta­da como uma tentativa de acomodar a globalizaç­ão aos anseios nacionalis­tas atuais.

Nessa nova estratégia, Schwab insiste que as atuais instituiçõ­es já estão ultrapassa­das. Uma mera reforma, porém, não será suficiente. Colocar, por exemplo, um curativo na atual guerra comercial não dará resultados e Davos acredita que chegou a hora de um novo sistema. “Precisamos repensar nossas instituiçõ­es globais, que foram criadas há quase 70 aos, e adaptá-las para garantir que sejam relevantes em nosso contexto”.

“Depois da 2.ª Guerra Mundial, líderes se uniram para criar a estrutura global para viver juntos num ambiente de paz, segurança e prosperida­de”, escreveu Schwab. “Eles desenharam as organizaçõ­es e os processos institucio­nais para atingir isso. Desde então, o mundo mudou e precisamos de uma nova forma de, juntos, moldarmos nosso futuro global”, disse. “Reformar nossos processos e instituiçõ­es não será suficiente. Precisamos redesenhá-las.”

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FABRICE COFFRINI / AFP-22/1/2018 Nova ordem. Meca da globalizaç­ão, encontro da elite financeira nos Alpes suíços vai debater, a partir de amanhã, questionam­entos feitos contra o sistema

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