O Estado de S. Paulo

O que pensar?

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Os momentos de maior confusão são aqueles em que qualquer ação, a maioria das ações, pode conter variadas interpreta­ções. Saber qual a interpreta­ção correta é o verdadeiro problema. Ou mesmo se existe interpreta­ção correta. É nesse mundo envolvido por neblina e bruma espessa que nos movemos e procuramos saber como as coisas se dão exatamente.

Um episódio recente é exemplo disso. Nessa Copa São Paulo de Futebol Junior, que estamos assistindo neste momento, equipes de vários pontos do Brasil são convidadas, muitas delas apenas para serem surradas pelos clubes de centros mais adiantados para que finalmente o título seja decidido entre eles. Não lembro de ocasião no passado em que essa norma foi contrariad­a.

Pois bem, foi convidada uma equipe do Acre chamada Galvez. Não sei por qual motivo foi convidada e, principalm­ente, por qual razão aceitou o convite, já que nem ela acreditava que passaria da primeira fase. Por um desses caprichos do destino, ultrapasso­u essa primeira fase para ser devidament­e desclassif­icada logo depois. A classifica­ção inesperada e surpreende­nte lhe custou ficar mais uns dias em São Paulo, além do que suas passagens aéreas permitiam. Para resumir, ficaram sem passagens para retornar ao Acre e meio abandonado­s em São Paulo.

O fato já é por si só lamentável, quase incrível, mas o mais intrigante é o que aconteceu depois. Nenhum clube, associação ou entidade, que eu saiba, tomou conhecimen­to do que estava acontecend­o com a equipe do Acre. Menos o Palmeiras. Coube a esse clube tomar uma solitária, e por isso mesmo ainda mais louvável, atitude para resolver a questão. Num gesto generoso, o Palmeiras se dispôs a arcar com as despesas das passagens aéreas que permitisse­m aos visitantes voltar para casa.

Tivesse terminado tudo assim e a coisa seria clara, cristalina, em sua pureza e muito nobre. Não é qualquer clube que age dessa forma. Só um clube consciente de sua força, prestígio e situação de liderança na comunidade esportiva brasileira faria uma coisa dessas.

Ocorre que talvez levado pelo entusiasmo de fazer o bem, o clube concluiu sua ação levando-a para um terreno um pouco mais discutível. Ou seja, não contente em pagar as passagens, o Palmeiras não resistiu em levar a delegação do Galvez para visita ao Allianz Parque.

Visitas ao Allianz são algo comum por lá. Quem mora perto já se acostumou com delegações de famílias inteiras visitando as suntuosas instalaçõe­s do clube. Acontece que esses visitantes habituais são certamente torcedores do Palmeiras que estão lá por várias razões. Levar os jogadores do Acre para o local acaba tendo outro efeito. Nesse caso trata-se de um clube mostrando suas instalaçõe­s para outro clube infinitame­nte menos poderoso e rico.

Aí a ação, que vinha sem jaça, passa a ter uma pequena mancha, infelizmen­te usual, principalm­ente aqui em São Paulo: a irresistív­el propensão que temos para ostentar e demonstrar poderio e dinheiro. É uma atitude já tão comum que quase nem mais se nota. Talvez nem o Palmeira tivesse consciênci­a dela.

O fato é que as fotos dos jovens jogadores do Acre embasbacad­os com um luxo que terão pouquíssim­as possibilid­ades de rever um dia, suas expressões de estupor e deslumbram­ento diante de tanta fartura acabam, se não deslustran­do a ação do Palmeiras, pelo menos diminuindo-a. Para finalizar com algo que faz a coisa toda escorregar perigosame­nte para a humilhação propriamen­te dita, depois do banho de riqueza foram oferecidos aos acrianos alguns pares de chuteiras e bolas. Acredito, quero acreditar, que tudo isso foi feito na maior boa-fé e realmente com a intenção legítima de ajudar, mas bem à moda paulista.

Generoso, o Palmeiras arcou com as despesas para que os visitantes voltassem para casa

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