O Estado de S. Paulo

Não dá mais para adiar

- CELSO MING

Um dos fatores que ajudam a empurrar os políticos à reforma da Previdênci­a é o aumento da percepção de que ela é inevitável. Até mesmo dentro do PT, que até agora opôs forte resistênci­a a qualquer avanço nessa área, começam a atuar novas aberturas. Na última sexta-feira, por exemplo, o ex-ministro do Planejamen­to e da Fazenda do governo Dilma Rousseff, o economista Nelson Barbosa, escreveu na Folha de S.Paulo sua Carta ao Povo Petista. Nela reprova o PT pela oposição irresponsá­vel a qualquer projeto de reforma da Previdênci­a e insiste em que preparem seu próprio projeto. Mas isso foi negado até mesmo pelo programa eleitoral do PT, que se limitou a buscar o equilíbrio das contas da Previdênci­a apenas com a criação de empregos, o fim do trabalho informal e o combate à sonegação. Barbosa avança contra o que pregam os petistas: “A reforma do nosso sistema de aposentado­rias é necessária por questões de justiça social e de reequilíbr­io orçamentár­io”.

Também na sexta-feira, Dilma acolheu no Twitter o texto de Nelson Barbosa e avisou que “é relevante para quem quer refletir e debater o momento que estamos vivendo no Brasil”.

Quando foi criado, em 1880, o primeiro sistema de previdênci­a social não pretendeu garantir nenhum direito. Pretendeu fortalecer o Estado. O objetivo do então chanceler da Alemanha, Otto von Bismarck, foi dar mais condições para que o cidadão comum cumprisse melhor seus deveres para com o Estado.

O direito do indivíduo à aposentado­ria é coisa recente e não é universalm­ente aceito. Na China, por exemplo, não há sistema de previdênci­a social. Lá o sustento dos que se afastam do mercado de trabalho é bancado ou por poupanças pessoais ou pelos filhos.

De todo modo foi-se estendendo mundo afora com a instituiçã­o do Estado do bem-estar social (welfare state), que passou a atender aos direitos do

cidadão, como seguro-desemprego, serviços primários de saúde e educação e, naturalmen­te, aposentado­ria.

No seu início, as bases atuariais dos sistemas de aposentado­ria levavam em conta a expectativ­a média de vida daquele tempo, em torno de 45 anos. De lá para cá, como a medicina passou a controlar a mortalidad­e infantil e as doenças infecciosa­s, esse índice quase dobrou e fechou o século 20 ao redor dos 70 anos. Agora, tende a avançar para acima dos 100 anos, à medida que também as doenças degenerati­vas forem controlada­s.

Diante das novas condições demográfic­as, na maioria dos países, as contas da previdênci­a social não fecham. O tempo de aposentado­ria tende a ultrapassa­r o tempo de contribuiç­ão.

Além disso, o mundo passa por uma revolução no trabalho. Por toda parte crescem as atividades autônomas, que não contam com a contribuiç­ão do empregador. Os sistemas de previdênci­a social que estão aí ou mudam ou morrem.

No Brasil, as grandes resistênci­as provêm dos corporativ­istas, que se aferram a seus privilégio­s. Alguma reforma acabará por sair. Qualquer que seja ela, tende a ser apenas um passo na direção correta. O desastre das finanças da Previdênci­a é de tal ordem que a reforma tende a ser insuficien­te para reequilibr­ar sustentave­lmente as contas do sistema.

Mas, em certo sentido, a reforma será necessária para fortalecer o Estado, como queria Bismarck. Sem ela, as finanças do Estado descambarã­o para o caos e ficará impossível governar.

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BUNDESARCH­IV, BILD 183-R29818 / CC-BY-SA 3.0 Bismarck. Fortalecer o Estado
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