O Estado de S. Paulo

HOJE NA PRISÃO, LULA BRILHOU NO FÓRUM DE 2003

Petista afirmou que faria reformas e respeitari­a contratos, o que acalmou a elite financeira global

- /J.C.

Se Davos está tomada pela curiosidad­e e até certa apreensão sobre o que representa o governo de Jair Bolsonaro, que faz sua estreia internacio­nal nesta semana, não é a primeira vez que o Fórum se transforma em um espécie de teste a um presidente brasileiro. Em 2003, depois de uma forte volatilida­de nos mercados financeiro­s diante da eleição, o então recém empossado Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido na estação de esqui num clima de desconfian­ça e curiosidad­e.

Naquele momento, os mercados temiam um governo que pudesse se afastar do mundo financeiro. Mas, em seu primeiro discurso, Lula propôs diálogo, garantiu que não atacaria o capitalism­o e moderou seu discurso.

Funcionári­os de Davos que estiveram naquele evento há 16 anos lembram que os comentário­s foram de alívio.

Em sua estreia, Lula disse o que a elite das finanças mundiais queriam ouvir: faria “reformas econômicas, sociais e políticas muito profundas, respeitand­o contratos e assegurand­o o equilíbrio econômico”. Ele não deixou de mandar um recado. “Aqui, em Davos, convencion­ou-se dizer que hoje existe um único Deus: o mercado. Mas a liberdade de mercado pressupõe, antes de tudo, a liberdade e a segurança dos cidadãos”.

Naquele momento, o discurso foi interpreta­do como um sinal claro de que não haveria expropriaç­ões nem um confronto com multinacio­nais e muito menos um questionam­ento do sistema financeiro.

Lula ainda fez um gesto inédito: participou num espaço de poucos dias do Fórum Social de Porto Alegre e de seu contrapont­o, na Suíça. Aos ativistas do Sul prometeu que levaria sua agenda social aos “donos do capital”.

Presidente­s de grandes bancos como o Citibank elogiaram o discurso em 2003 e o gesto do então presidente. Bono, vocalista da banda U2, chegou a dizer que Lula havia transforma­do Davos e colocado a agenda social no evento.

Entre alguns de seus apoiadores, porém, houve uma certa resistênci­a. “Lula está dando um presente para um cadáver, para um cemitério”, disse o escritor Emir Sader, que estava em Porto Alegre naquele ano. Já o ex-presidente de Portugal, Mario Soares, chegou a dizer que o evento suíço não tinha motivo para continuar existindo. “Este Fórum existe há mais de 30 anos e está esgotado”, afirmou.

Em 2010, Lula recebeu o prêmio de estadista do ano, concedido pelo Fórum, mas não compareceu ao evento para recebê-lo. Anos depois, acusaria Davos de não ter feito sua parte para evitar a crise mundial. Hoje, a prisão de Lula e a corrupção em seu governo é um tema que cria saia-justa entre os organizado­res do evento na Suíça.

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MONIKA FLUECKIGER/REUTERS-26/1/2003 No passado. Em 2003, Lula também participou do Fórum Social realizado em Porto Alegre

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