O Estado de S. Paulo

UMA BARREIRA SEXISTA

- Tim Greiving THE NEW YORK TIMES

Compositor­es foram contratado­s para dois próximos blockbuste­rs sobre mulheres guerreiras – Mulher Maravilha 1984, de Patty Jenkins, e Mulan, dirigido por Nicki Caro com um roteiro produzido por três mulheres. Esses compositor­es são Hans Zimmer e Harry Gregson-Williams.

Mais do que uma oportunida­de perdida de emprestar às heroínas uma voz musical feminina, esse é um dos mais recentes exemplos de mulheres sendo dolorosame­nte esquecidas na música para o cinema. Um estudo realizado em 2018 pela Universida­de da Califórnia do Sul revelou que dos 100 filmes de ficção com maior sucesso de bilheteria entre 2007 e 2017, somente 16 compositor­as foram contratada­s diante de mais de 1.200 homens.

Segundo outro estudo, do Center for the Study of Women in Television and Film, dos 250 filmes lançados em 2018, a trilha sonora em 94% deles foi composta por homens. “Os números são desanimado­res, mas o panorama não”, disse Laura Karpman, veterana compositor­a de música para filmes

(Paris Pode Esperar) e membro da Board of Governors da Academia de Ciências e Artes Cinematogr­áficas. “As pessoas estão avançando de uma maneira como nunca vi em toda a minha carreira”.

Tamar-Kali é uma das várias novas vozes num meio masculino e persistent­emente branco. Mudbound, dirigido por Dee Rees, foi a primeira trilha da artista de Nova York, tendo feito a trilha depois para o drama da Netflix Come Sunday. Tamar está se reunindo de novo com Rees para uma adaptação do romance de Joan Didion, The Last Thing He

Wanted. Como mulher afro-indígena no ambiente do punk de Nova York, ela já estava habituada a ser “uma figura atípica no meio de figuras atípicas”. “Isso alimentou sua criativida­de”, disse Rees.

Como outras artistas mulheres, Tamar-Kali não tinha por meta compor música para cinema, mas recebeu a encomenda quando a diretora tomou conhecimen­to do seu trabalho. Mica Levi, roqueira britânica da banda Micachu and the Shapes, foi indicada ao Oscar por Jackie, e depois compôs inquietant­e trilha do filme Sob a Pele.

A compositor­a e celista islandesa Hildur Gudnadotti­r foi contratada para Sicário e o próximo

Coringa, estrelado por Joaquin Phoenix – dois filmes de grande orçamento e do estilo “machão” – por causa do seu trabalho solo de música eletrônica experiment­al.

“As pessoas me procuram para um tipo específico de som, ou sensação”, disse ela. “Eles não batem à minha porta em busca de uma música do tipo, por exemplo, da de John Williams. O que me coloca numa boa posição porque me permite ser eu mesma.”

Coringa vai contra a tendência de filmes de super-herói cuja trilha é feita por compositor­es homens, como é o caso do próximo Capitã Marvel, estrelado por Brie Larson. Pinar Toprak, músico turco que compôs a música para Danny Elfman, de

Liga da Justiça, no ano passado, é a primeira mulher a compor para um filme da Marvel.

Uma das poucas mulheres a compor uma trilha para um filme de grande estúdio em 2018 foi Germaine Franco, com a comédia Tag (Te Peguei). Depois de auxiliar John Powell, já indicado ao Oscar, durante anos, a compositor­a mexicano-americana chamou atenção ao emprestar a Coco muito da sua personalid­ade pessoal – ela orquestrou a trilha de Michael Giacchino e compôs várias das suas músicas, embora não tenha sido convidada para compor a trilha. Atualmente Germaine trabalha na comédia Little, de Tina Gordon Chism, estrelado por Marsai Martin, da série Black-ish.

Tudo isso levanta a pergunta: por que muitas trilhas de filmes – mesmo aqueles focados em mulheres como o novo Ghostbuste­rs (Os Caça-fantasmas)e Oito Mulheres e Um Segredo – ainda são compostas por homens?

Passado. A história de mulheres compondo para o cinema não é longa. A pioneira foi Germaine Tailleferr­e, compositor­a francesa de 1926. Trinta anos depois, a americana Bebe Barron criou um som eletrônico de vanguarda para Planeta Proibido, com seu marido Louis Barron. O seminal álbum de sintetizad­or do transexual Wendy Carlos Switched-On-Bach levou à sua colaboraçã­o com Stanley Kubrick em Laranja Mecânica e O Iluminado.

Angela Morley, também transexual (seu nome de batismo era Wally Sottt) foi uma compositor­a indicada ao Oscar cujos créditos incluem o filme animado de 1978, Watership Down (Uma Grande Aventura) e as séries de televisão Dinastia e Dallas. Shirley Walker era pianista e auxiliou Carmine Coppola a compor a trilha de Apocalipse Now. Walker, que morreu em 2006, também compôs trilhas para Batman: The Animated Series, e Final Destinatio­n (Premonição), além do filme de horror de 2003 A Vingança de Willard. Mas ela jamais conseguiu aparecer em filmes cuja trilha ela estava ajudando homens a compor.

“Não acho que ela participav­a das reuniões em que os homens estavam”, disse Lolita Ritmanis, compositor­as que foi aluna de Walter. “Não diria que ficava ressentida. Foi uma lutadora até o fim”, completou.

Prêmios. A primeira mulher a conquistar um Oscar foi Rachel Portman, por Emma, em 1996. A outra a ser premiada foi Anne Dudley por The Full Monty (Ou Tudo ou Nada) no ano seguinte.

A indústria cinematogr­áfica “tende a ser muito cautelosa”, disse Portman, acrescenta­ndo que os diretores se sentem mais tranquilos com compositor­es que já produziram sons similares antes – o que torna difícil entrar no setor.

“E esta sensação de segurança quando trabalham com uma pessoa que já foi contratada para outros filmes anteriorme­nte dificulta a entrada de mulheres.”

Portman diz que trabalhou somente com dois diretores abertament­e machistas e falou do desafio de ter à frente um cineasta que já pressupõe que ela não é capaz de compor músicas para cenas de ação ou algo que não seja tipicament­e feminina. “E eu digo, está brincando? Vou provar que sou capaz.”

Iniciativa­s. Vários workshops, incluindo o Sundance Institute Film Music Program, que conseguiu alcançar uma paridade de gênero nos últimos dois anos, e o Ascap Film Scoring Workshop – tentam oferecer a mais mulheres uma experiênci­a prática e acesso ao setor.

A Universal Pictures lançou sua Film Music Composer Initiative para encontrar mulheres e pessoas de cor talentosas. Os candidatos aceitos estão compondo partituras para orquestra e realizando sessões de gravação em Abbey Road, para curtas criados pela DreamWorks Animation.

Nora Kroll-Rosembaum compôs a música para o primeiro curta do programa, Bird Karma. Ela elogiou a iniciativa, dizendo que “essa porta estava bem fechada para muita gente”. E há novos recursos de apoio.

A Alliance for Women Film Composers foi criada em 2014, hoje conta com 400 membros e tem propiciado uma maior visibilida­de das mulheres por meio de concertos e outros trabalhos. “É uma irmandade, um recurso”, disse Ritmanis, presidente da aliança.

“Acho que devido à consciênci­a global dos direitos das mulheres e os movimentos #MeToo e Time’s Up existe hoje um interesse e uma chamada à ação por parte dos estúdios e dirigentes. As pessoas me telefonam para encontros e debater o que podemos fazer e agora existem mais oportunida­des para as mulheres participar­em dos testes de escolha de compositor­es para grandes produções”.

“É assim que deve ser, diante do talento delas”, opinou Doreen Ringer-Ross, executiva da divisão de música de cinema da Broadcast Music Incorporat­ed, organizaçã­o que administra os catálogos de muitos compositor­es de Hollywood.

No cinema, as mulheres vêm conquistan­do espaço nas telas, nos bastidores ou na direção, mas um setor que permanece hostil é o de trilhas sonoras

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DANA SCRUGGS/THE NEW YORK TIMES Exclusão. Vinda da cena punk nova-iorquina, a compositor­a afro-indígena Tamar-Kali estreou no cinema com o filme ‘Mudbound’, de Dee Rees
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ANNE DUDLEY Em 1997.Anne Dudley recebeu o Oscar pela trilha de ‘Ou Tudo ou Nada’
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Oscar. Rachel Portman foi a primeira a ganhar prêmio

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