O Estado de S. Paulo

OLAVO E O ‘CARA DE CHICAGO’

Curioso com governo Jair Bolsonaro, ex-estrategis­ta de Donald Trump recebe o filósofo em sua casa, em Washington, para falar sobre o Brasil

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

“Aqui somos totalmente informais”, avisou Steve Bannon, enquanto garçons vestidos de preto serviam água e vinho e trocavam os pratos. O convidado de honra do jantar, oferecido na sexta-feira, em Washington, pelo ex-estrategis­ta de Donald Trump, era o brasileiro Olavo de Carvalho, informa Beatriz Bulla. Bannon queria saber dos rumos do governo Bolsonaro e da agenda do “cara de Chicago”. O “cara” é o ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos assunto da noite.

“Aqui somos totalmente informais”, avisou Steve Bannon sentado na ponta da mesa de jantar, enquanto pelo menos cinco funcionári­os vestidos de preto serviam água e vinho aos presentes e substituía­m os pratos de salada pelo menu principal. O convidado de honra do jantar oferecido pelo ex-estrategis­ta de Donald Trump na última sexta-feira à noite, em Washington, era o brasileiro Olavo de Carvalho. Os dois se conheceram um dia antes, em Virgínia, quando o americano decidiu visitar aquele que dá suporte ideológico ao governo de Jair Bolsonaro, do qual é um entusiasta.

Curioso sobre o Brasil, Bannon abriu as portas da “embaixada”, como chama a casa em que vive numa rua atrás da Suprema Corte americana, a doze convidados. A maior parte era acompanhan­tes do próprio filósofo. O Estado acompanhou o encontro. Ele aproveitou que Olavo de Carvalho, que mora a cerca de três horas dali, já estava na capital dos EUA, convidado por integrante­s do Departamen­to de Estado americano, para uma conversa off the records durante a tarde de sexta.

O grupo de Olavo se mostrava entusiasma­do por ter sido recebido no sétimo andar do Departamen­to de Estado, considerad­o o das altas autoridade­s da diplomacia americana. Segundo eles, os americanos concordara­m “genuinamen­te” com o que o filósofo falou. Bannon disse que isso era um sinal de mudança, pois o time de América Latina do Departamen­to de Estado, durante a administra­ção Obama, era o setor do governo mais “tolerante” com o “marxismo cultural” – a expressão comum a Olavo e seus alunos.

A aproximaçã­o com Olavo já era ensaiada por Bannon há alguns meses, desde que ele se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ainda no período de campanha eleitoral. Steve Bannon esteve por trás da estratégia de campanha de Trump e retórica nacionalis­ta que ajudou o republican­o a chegar à Casa Branca. Nos últimos dois anos, ele tem fomentado líderes e movimentos nacionalis­tas e de populismo de direita pelo mundo.

O americano tece elogios ao vice-premiê da Itália e ministro do Interior, Matteo Salvini, e ao primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, faces do novo populismo nacionalis­ta europeu, ambos acusados de xenofobia. Apesar de não ter trabalhado na campanha de Bolsonaro, o estrategis­ta americano não esconde o entusiasmo com o presidente brasileiro. Bannon também integrou o conselho da Cambridge Analytica, a consultori­a acusada de acessar e usar indevidame­nte dados de milhares de usuários do Facebook para disseminar mensagens que ajudaram Trump a se eleger em 2016.

‘O cara de Chicago’. No jantar, Bannon, como se entrevista­sse Olavo de Carvalho, quer saber dos rumos do governo Bolsonaro e transparec­e preocupaçã­o com o quanto o “cara de Chicago” pode atrapalhar o avanço de uma agenda nacionalis­ta no País. O cara é o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Os planos de privatizaç­ão de Guedes, que é oriundo da escola neoliberal do Departamen­to de Economia da Universida­de de Chicago, chocam com pontos defendidos por Bannon. Uma das fricções é a relação do Brasil com a China, criticada abertament­e pelo filósofo brasileiro e por Bolsonaro. O presidente já defendeu em alguns momentos a tese de que os chineses estão “comprando o Brasil”.

Para falar sobre o Brasil, Olavo de Carvalho se reveza na fala com Gerald Brant, executivo do mercado financeiro em Nova York, responsáve­l pela ponte com Bannon. Brant diz, como alguém que atua no setor, que a Bolsa de Valores tem reagido bem ao governo eleito: “O mercado ama o Bolsonaro”.

Bannon rebate: “O mercado financeiro ama o capitão Bolsonaro, mas eles amam mais a Escola de Chicago”, e pergunta se Olavo conseguiri­a exercer influência sobre o ministro. O filósofo faz sinal negativo com a cabeça.

Ao ouvir que Bolsonaro é um patriota e saber do slogan de governo, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bannon avalia: “Eu amei isso, amei isso”.

Influência. Olavo de Carvalho, que rejeita os rótulos de “ideólogo” ou “guru” do governo Bolsonaro, mostra no jantar a interlocuç­ão que tem com o novo governo e escuta quieto quando um de seus filhos ou Gerald Brant falam sobre os cargos no governo federal ocupados por “amigos” ou ex-discípulos do filósofo. Entre eles, o do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um dos principais seguidores do pensamento de Olavo no Planalto. “Ele é um sonho que se tornou realidade”, define Brant, ao explicar para Bannon que o ministro vê Trump como um ponto de “salvação” do Ocidente.

Durante o jantar, eles discutem sobre as divergênci­as dentro do governo. Para o grupo, as críticas internas ao pilar ideológico é criada pela imprensa que, na opinião deles, “tenta criar intriga todos os dias”.

Imprensa. Bannon já esteve à frente do Breitbart News, um site considerad­o a voz da ultradirei­ta americana, e critica a imprensa tradiciona­l. Ele não pergunta como é a cobertura jornalísti­ca feita no Brasil antes de partir do pressupost­o de que a mídia é contra Bolsonaro, e questiona: “É uma questão de ideologia ou é porque vende mais jornal?”

Eles emendam a conversa sobre os “riscos” da chegada da CNN ao Brasil. Nos EUA, o canal é crítico a Trump. Bannon é cético sobre o canal ter apenas licenciado o uso da marca sem aplicar diretrizes da CNN americana. Para o ex-estrategis­ta de Trump, a ida ao Brasil é uma tentativa de conter Bolsonaro. Olavo pondera que Bolsonaro pode se decepciona­r com a CNN, indicando que o presidente não vê no novo canal uma ameaça.

À mesa

“O mercado financeiro ama o capitão Bolsonaro, mas eles amam mais a Escola de Chicago (...) Eu amei isso (slogan do governo ‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’).” Steve Bannon

EX-ESTRATEGIS­TA DE DONALD TRUMP

“(Minha filosofia é) a unidade do conhecimen­to na unidade da filosofia.” Olavo de Carvalho

FILÓSOFO

Filosofia. Na segunda metade do jantar, que durou duas horas e meia, Bannon quis saber o que Olavo de Carvalho ensina e no que consiste a filosofia do brasileiro. Olavo pediu ajuda aos outros para explicar. Quando toma a palavra, critica o fato de as universida­des colocarem “textos acima dos problemas filosófico­s”. “Todos esses filósofos para mim são instrument­os para resolver os problemas filosófico­s”, diz, e define sua filosofia como “a unidade do conhecimen­to na unidade da filosofia e vice-versa”. Seu filho e um dos alunos comentam: “Perfeito, isso diz tudo”. Silêncio na mesa.

O americano quer saber qual o método de aulas de Olavo, qual o tamanho do seu “pelotão” e como o curso avança. O curso avança em espiral, diz Olavo. Bannon insiste que é preciso ter um método para chegar a algum ponto concreto e diz: “É aqui que divergimos”. Olavo responde que o método é “a honestidad­e intelectua­l”, confessar o que se sabe e o que não se sabe. “Quando você pergunta o método, me faz pensar o que acontecia antes de alguém definir o que era a palavra método. É isso que o professor nos ensina”, diz um dos alunos.

O Olavo presente à mesa com Bannon é sereno, sem palavrões ou tom de voz elevado nas redes sociais e em entrevista­s. Diz que quer fazer com que seus alunos saibam que são inteligent­es e que entendam o que está acontecend­o.

Após idas e vindas e duas xícaras de café, Bannon se distrai com a chegada de outras pessoas à casa. Às 20h30, o anfitrião anuncia que “Olavo e a família terão uma longa viagem a Virgínia” e, assim, declara encerrado o encontro.

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FOTOS BEATRIZ BULLA / ESTADÃO Abraço. Olavo de Carvalho e Steve Bannon após o jantar
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‘Devil’s’. Livro sobre a relação entre Trump e Bannon

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