O Estado de S. Paulo

Crise faz brasileiro pensar mais em mudar de cidade

Sociedade. Pesquisa da FGV Social com 9 mil entrevista­dos mostra avanço de 36% na vontade de migrar de cidade; intenção ser maior na faixa mais rica da população e tão grande no campo quanto nas áreas urbanas são principais novidades do estudo

- Juliana Diógenes

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, no ano de 2017, com o agravament­o da crise econômica brasileira, aumentou para 17% a parcela da população com vontade de migrar internamen­te no País. Em 2011, esse interesse de mudança de endereço era de 12,5%, um salto de 36%.

“Crise é a oportunida­de de meter as caras. Se você é solteiro, não tem trabalho e não está apegado a nada. Tem mais é de acelerar e ficar na frente daqueles que ficam se lamentando da crise”. Jovem e solteiro, o empreended­or Ami Aram, de 27 anos, saiu do interior do Ceará para Brasília logo após se formar em tecnologia da informação, criou uma startup e hoje ganha três vezes mais do que receberia se não tivesse migrado.

Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) Social obtida pelo Estado analisou o interesse de migrar da população três anos antes e três anos após o iníciod da crise econômica. E diagnostic­ou salto de 36% na vontade do brasileiro de migrar internamen­te no País, comparando 2011 e 2017. No total, foram 9 mil entrevista­dos, além do cruzamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Esse interesse, em 2011, era de 12,5% da população. Já em 2017, eram 17% os que pensam em se mudar. A conclusão da pesquisa é que esse é um efeito da crise.

Uma das novidades é que mudou o perfil: ainda são, principalm­ente, os jovens solteiros. Mas agora brasileiro­s com renda mais alta têm mais vontade de mudar do que os de baixa renda. Em 2017, os mais ricos do País já tinham intenção de migrar maior do que a média nacional.

“E as pessoas da cidade passaram a querer migrar tanto quanto as do campo”, afirma o economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, que coordenou a pesquisa. Isso muda, segundo ele, o perfil do migrante, antes mais associado ao grupo pobre, principalm­ente do Nordeste, que mandava alguém da família para a cidade grande com o objetivo de garantir o sustento dos demais.

Além da crise, dizem especialis­tas, o perfil mais empreended­or dos jovens e a busca por qualidade de vida também ajudam a explicar o interesse migratório dos mais ricos. “Os millenials

(na faixa entre 18 e 35 anos) arriscam com muito mais facilidade. Estão mais voltados à busca de significad­o no trabalho, de alternativ­as que sejam prazerosas. O perfil deles é o de empreender e fazer a diferença”, afirma economista Cristina Helena Mello, da ESPM. “Essa segurança de receita (salário fixo) é de uma geração anterior, que viveu inflação e mudanças de planos econômicos.”

Logo que se formou, em 2015, Ami Aram tinha a intenção de migrar. “As empresas da minha área não pagavam o valor que um profission­al formado merecia por causa da crise.” No fim daquele ano, foi morar em Brasília na casa de um amigo, com quem planejava criar uma startup. Hoje, já se sustenta com o próprio negócio.

Também solteiro, o dentista e empresário Rodolfo Lira, de 28 anos, foi outro que apostou na startup. Saiu de Uiraúna (PB) para Currais Novos (RN) em 2016 para fazer residência em Saúde Pública. Acabou desenvolve­ndo um aplicativo. “Vendo a atuação do mercado e as dificuldad­es, pensei que quanto maior é o problema maior é a oportunida­de. Criei o app em busca de melhorar minha condição financeira e me identifica­r profission­almente.”

Na época, ele não tinha emprego fixo e ganhava bolsa de R$ 3 mil. No primeiro mês da startup, ganhou R$ 100 mil. A startup expandiu, passando a atuar em 30 municípios. Lira se divide entre São Paulo e Porto Alegre – mantendo um apartament­o em ambas as cidades.

Tendências. Para o demógrafo José Marcos Cunha, da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), outro movimento migratório comum entre brasileiro­s de mais renda é de capitais para cidades das regiões metropolit­anas. “Hoje o desejo de consumo é o condomínio fechado. As pessoas se mudam para municípios menores, as periferias elitizadas, para morar em condomínio­s tranquilos, com mais segurança, o grande apelo do momento.” Mas além disso, lembra, a vontade da mudança é diferente da migração em si. “Muitos ficam mais no desejo.”

Como usou metodologi­a da Gallup World Pool, entidade americana de pesquisa, o estudo da FGV Social também mostra que o interesse migratório interno do Brasil ficou acima da média global, de 15,5%.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 10/12/ 2018 Rodolfo Lira. Jovem paraibano mudou mais de uma vez de cidade e teve sucesso com aplicativo na área de odontologi­a

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