O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS CIDA DAMASCO É JORNALISTA

Em Davos, Bolsonaro vai repisar temas caros aos liberais, como abertura comercial.

Opresident­e Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes desembarca­m em Davos nesta semana em busca do aval da elite financeira internacio­nal, reunida no Fórum Econômico Mundial. Ele repete o roteiro dos seus antecessor­es Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, que também participar­am do encontro com o objetivo central de desfazer o clima de desconfian­ça criado com a chegada deles ao Planalto – ainda que por motivos diferentes.

Lula e Dilma tentavam provar que um governo de esquerda não faria loucuras na economia e conseguiri­a conciliar responsabi­lidade com prioridade­s sociais. Temer procurava se livrar do rótulo de golpista colado em sua imagem pelos militantes anti-impeachmen­t. No caso de Bolsonaro e sua tropa, todo empenho será dirigido a convencer os investidor­es de que o presidente converteu-se de fato ao ideário liberal de Guedes e vai segui-lo à risca para corrigir os graves desajustes da economia brasileira.

Seu discurso como representa­nte da América Latina vai repisar temas caros aos liberais, como reformas e abertura comercial, além do combate à corrupção – justamente num momento em que o clima de descontent­amento global dá voz a teses nacionalis­tas e populistas, impondo mudanças às entidades internacio­nais para manter as bases da globalizaç­ão, como relata o repórter Jamil Chade.

Bolsonaro aproveitar­á o evento para dar seu recado não só para o público externo, como também para o interno, que já demonstra uma certa inquietaçã­o, especialme­nte em relação à Previdênci­a. A proposta para a reforma, discutida nos últimos dias em Brasília, deve estar no centro das conversas em Davos e aportará no Congresso no começo de fevereiro, depois da posse dos novos parlamenta­res e da definição dos comandos das duas casas.

Começa aí, para valer, o jogo da economia, após a pré-temporada dominada pelas “cartas de intenção” de Guedes, pelos recuos e recuos dos recuos de Bolsonaro. Para a parcela do eleitorado que cacifou o projeto conservado­r de Bolsonaro nas áreas sociais, a partida teve início na semana passada, com a edição do decreto facilitand­o a posse de armas, altamente polêmico mas uma das promessas de destaque na campanha do presidente.

Por enquanto, mercados e setores produtivos parecem construir um muro de proteção à equipe econômica, isolando do lado de fora ministros e assessores trapalhões que despertam perplexida­de nos especialis­tas e levam à loucura as redes sociais. E principalm­ente "ignorando" o crescente mal-estar, inclusive nos círculos palacianos, com os desdobrame­ntos do caso do assessor Fabrício Queiroz e suas relações perigosas com o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Foi mais ou menos o que aconteceu no meio do mandato do ex-presidente Michel Temer, quando a moda era festejar o "descolamen­to" entre a economia e a política. Investidor­es entusiasma­dos com a arrancada das reformas preferiam fechar os olhos para a "entrada" da Lava Jato no Palácio do Planalto, até mesmo para os abalos no gabinete presidenci­al, provocados pela controvert­ida delação dos irmãos Batista.

É verdade que, no público preferenci­al, o crédito à equipe econômica escolhida por Bolsonaro ainda é grande, mal foi tocado. As expectativ­as de superativi­smo liberal alimentada­s por Paulo Guedes mantêm esse crédito, mesmo consideran­do-se que muitas das medidas anunciadas podem se resumir a "balões de ensaio", que serão furados em pouco tempo. Mas, como a experiênci­a mostra, crédito de confiança não é ilimitado, se não for bem administra­do e sustentado por ações concretas. E é nesse ponto que entra o Congresso.

Corre nos círculos políticos que o governo espera aprovar o núcleo da reforma da Previdênci­a até o início do segundo trimestre. Cenário otimista, que combina com períodos de graça de governos com incontestá­vel vitória nas urnas. Mas esse quadro pode ser alterado, dependendo da evolução do caso Queiroz e de eventuais fraturas na base de apoio do governo – já que as oposições parecem mais envolvidas na disputa pela tal da hegemonia do que na preparação para o debate dos grandes temas.

Tome-se de novo como exemplo o governo Temer, que conseguiu escapar de uma investigaç­ão na Lava Jato graças à ação dos seus aliados no Congresso, mas pagou o preço de ceder em algumas decisões importante­s para aprofundar o ajuste fiscal e acabou desistindo da reforma da Previdênci­a.

São só 20 dias de mandato, diriam uns, tempo pequeno demais para se fazer qualquer prognóstic­o sobre o futuro do governo. São só 20 dias, diriam outros, pouquíssim­o tempo para que o governo já tenha de controlar uma crise no entorno do presidente. Davos pode ajudar, mas é insuficien­te para pôr as coisas em seu devido lugar.

Começa o jogo na economia, mas caso Queiroz pode criar obstáculos no Congresso

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil