Fareed Zakaria
É COLUNISTA
O Brexit deveria obrigar a Europa a fazer um balanço do seu projeto de integração.
Quando observamos o Reino Unido sofrendo com as agonias relacionadas ao Brexit, é fácil achar que a decisão de deixar a União Europeia é um ato de loucura, uma ferida autoprovocada que empobrecerá os britânicos nos próximos anos. A Europa é o maior mercado do Reino Unido, respondendo por quase a metade das exportações do país. Perder o acesso especial à UE será um alto preço a pagar em troca de alguns ganhos simbólicos em termos de soberania.
A debacle do Brexit, porém, também nos faz ver com mais claridade a própria Europa e o que observamos é um continente e um projeto político que deixou de funcionar – pelo menos para muitas pessoas. Digo isto como um ardente defensor da UE. Os EUA e a Europa têm sido os dois grandes motores que movimentam um mundo com base em mercados abertos, políticas democráticas, na liberdade e na lei, nos direitos humanos e no bem-estar global, valores que provavelmente serão corroídos em todo o mundo se a força e os objetivos de cada um desses centros esmorecerem ainda mais.
Nas últimas três décadas, o projeto europeu perdeu o rumo. O que começou como uma comunidade de nações cooperando entre si para criar mercados mais amplos, maior eficiência e estabilidade política foi dominado por uma obsessão com duas questões que deterioraram suas conquistas fundamentais.
A primeira foi a rápida integração – após o colapso da União Soviética – de muitos países novos muito menos desenvolvidos social e economicamente do que os membros originais. A partir de 1993, essa comunidade se expandiu de 12 países para 28. Focada originalmente na abertura dos mercados, na racionalização dos regulamentos e na criação de novas oportunidades de crescimento, a UE se tornou uma “união de transferência”, um vasto programa de redistribuição de fundos de países prósperos para mercados emergentes. Mesmo no vigoroso ambiente econômico de hoje as despesas da União Europeia representam mais de 3% da economia da Hungria e quase 4% da economia da Lituânia.
Esse fosso entre uma Europa rica e pobre, com fronteiras abertas, inevitavelmente produziu uma crise de imigração. Por exemplo, como Matthias Matthijs escreveu na Foreign Affairs, entre 2004 e 2014, cerca de 12 milhões de poloneses emigraram para o Reino Unido e Alemanha e 2 milhões de romenos foram para Itália e Espanha.
Esses movimentos migratórios exerceram uma forte pressão sobre as redes de proteção social dos países de destino e provocaram um aumento do nativismo e do nacionalismo. A entrada na Europa de mais de um milhão de refugiados, em 2015, a maior parte do Oriente Médio, deve ser inserida no contexto daquele já altíssimo número de imigrantes. Como se observa em todos os lugares, dos EUA à Áustria, os temores com a imigração são o combustível para ascensão dos nacionalistas de direita que desacreditam o establishment político, considerado responsável por esses fluxos descontrolados de pessoas.
O segundo problema que vem consumindo a UE é a moeda, o euro. Lançado com objetivo mais político do que econômico, o euro incorporou uma profunda falha estrutural: ele impingiu um sistema monetário unificado para 19 países que continuam a ter sistemas fiscais extremamente diferentes. Assim, quando ocorre uma recessão, eles não têm condição de desvalorizar sua moeda e não obtêm recursos adicionais de Bruxelas (como ocorre nos Estados americanos quando entram em recessão, com relação a Washington). Como resultado, o que estamos observando, desde 2008, é a estagnação econômica e a revolta política.
O Brexit deveria forçar os britânicos a pensar com mais afinco sobre o seu lugar no mundo e fazer ajustes que lhes permitirão prosperar dentro dele. Mas o Brexit deveria também levar os europeus, em geral, a fazer um balanço do seu projeto, uma grande ideia que não deu certo. A UE precisa mais do que um ajuste. Ela necessita retornar aos princípios originais, redescobrir seu objetivo central e questionar que aspectos do seu atual sistema não estão mais funcionando, não são mais abordáveis e nem administráveis. Como Tony Blair disseme, em uma entrevista esta semana na CNN, é crucial que “o Reino Unido reflita novamente, mas que a Europa também faça uma nova reflexão”.
A Europa está afundando. Embora alguns americanos se encantem com esta perspectiva, isto é ruim para os EUA. “Em meados do século, viveremos em um mundo multipolarizado”, disse Blair. “Nessas circunstâncias, o Ocidente deveria se manter unido e a Europa, ficar ao lado dos EUA, porque, no final, somos países que acreditam na democracia, na liberdade e no estado de direito. Do contrário, vamos perceber que à medida que o século avança e meus filhos e netos refletem sobre seu lugar no mundo, o Ocidente ficará mais fragilizado. E isto é ruim para eles e ruim para todos nós.”
O Brexit deveria obrigar a Europa a fazer um balanço do seu projeto de integração