O Estado de S. Paulo

Armas e direitos

- DENIS LERRER ROSENFIELD PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSEN­FIELD@TERRA.COM.BR

Quem é contra o direito à legítima defesa? Não, certamente, a imensa maioria dos brasileiro­s que votaram no hoje presidente Jair Bolsonaro. Tiveram consciênci­a da necessidad­e de resgate de um direito republican­o que fora usurpado por sucessivos governos, com base em posições de esquerda e no politicame­nte correto. Saliente-se, aliás, que boa parte dos que são contra esse direito vive em condomínio­s com forte segurança e circula em carros blindados. É a elite, embora seu discurso seja supostamen­te antielitis­ta!

O novo governo, em seu decreto, foi extremamen­te sensato, regrando objetivame­nte a posse de armas, deixando pouca margem para interpreta­ções subjetivas ou politicame­nte corretas. Disciplino­u a posse em domicílios e estabeleci­mentos comerciais de tal modo que cada pessoa possa ter quatro armas. Aliás, nem muito é, pois se uma família possuir duas ou três casas e igual número de negócios, sua cota já estará preenchida. Trata-se, diria, de um direito primeiro, o de a pessoa poder, em seus lugares próprios, usufruir sua vida, defendendo seu corpo, sua família e seu patrimônio.

Sem isso o cidadão fica claramente desprotegi­do, à mercê de qualquer ameaça. Quem se beneficia dessa situação são os bandidos, os criminosos, que podem invadir qualquer domicílio e estabeleci­mento sem medo algum. Meliantes têm “direito” à violência e à apropriaçã­o de corpos e bens alheios!

O Estatuto do Desarmamen­to cometeu a proeza de desarmar as pessoas de bem, deixando os criminosos à vontade, esses se armam a seu bel-prazer. Isso quando não são auxiliados por esses representa­ntes do politicame­nte correto, que correm em seu apoio toda vez que são mortos, feridos ou presos. Quando um policial morre, silêncio absoluto; quando um criminoso sofre o mesmo destino, surge imediatame­nte uma imensa barulheira, como se seus supostos direitos não tivessem sido observados. É um mundo invertido!

Os politicame­nte corretos adoram estatístic­as, sobretudo para triturá-las e enganar os incautos. O fracasso do Estatuto do Desarmamen­to é patente. Temos 15 anos de sua vigência e a taxa de homicídios ultrapassa 60 mil por ano. Mais do que o número de soldados americanos mortos no Vietnã! Falar que a nova política governamen­tal vai piorar a situação soa risível!

A ideia de que povo armado piora o índice de homicídios é outra falácia desarmamen­tista. Segundo dados do site GunPolicy.Org, estima-se que existam entre 2 milhões e 3 milhões de armas de fogo em mãos civis na Suíça, cuja população é de pouco mais de 8 milhões de pessoas. Proporcion­almente, esse país é um dos cinco mais armados do mundo. Pois bem, em 2015 a Suíça registrou apenas 18 homicídios por arma de fogo.

No caso do Paraguai, país vizinho, os números são igualmente importante­s. O país tem quase 7 milhões de pessoas e mais de 1 milhão de armas de fogo em mãos civis. Em 2014 o Paraguai registrou 318 mortes por armas de fogo. Proporcion­almente, há mais armas de fogo em mãos civis no Paraguai do que no Brasil, porém há muito mais mortes por armas de fogo no Brasil do que no Paraguai. A taxa de mortes por armas de fogo no Brasil foi de 21,2 por 100 mil em 2014; no Paraguai, 4,7 por 100 mil também em 2014. Interessan­te, não?

Os desarmamen­tistas costumam argumentar que após o Estatuto do Desarmamen­to houve significat­iva queda na taxa de cresciment­o de homicídios por armas de fogo. Ou seja, ainda que as taxas tenham mantido a tendência de cresciment­o, teria havido expressiva desacelera­ção, o que não deixaria de ser, em todo caso, paradoxal!

Acontece que essa desacelera­ção só é percebida quando se observam os dados nacionais, em que o Estado de São Paulo, onde as mortes por armas de fogo desabaram no período, ajuda a derrubar o índice nacional. E desabaram por uma política de Estado, centrada principalm­ente na inteligênc­ia e na repressão ao crime. Agiram contra os criminosos, e não contra as pessoas de bem!

Há, porém, muitos Estados onde os homicídios por armas de fogo aumentaram vertiginos­amente em plena vigência do estatuto e desse Zeitgeist desarmanen­tista. Vejamos: de acordo com o Mapa da Violência, em 2004 a Bahia tinha 11,7 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2008 o índice subiu para 26,4. Em 2010 alcançou 32,4. O Estatuto do Desarmamen­to é de dezembro de 2013, promulgado pelo ex-presidente Lula, hoje condenado e na cadeia.

Estados como Rio Grande do Norte e Maranhão registrara­m aumento de homicídios por armas de fogo de, pela ordem, 379,8% e 300% no período de 2004-2014. Também houve cresciment­o expressivo no Pará, 96,9%; em Goiás, 70,6%; e no Rio Grande do Sul, 38,6%.

Logo, a diminuição no estoque de armas não causou a diminuição dos homicídios. Tampouco o lema “mais armas, mais mortes”, frequentem­ente enunciado pelos defensores do desarmamen­to, é verdadeiro. O Brasil possui muito menos armas em mãos de civis na comparação com os EUA, mas quase seis vezes mais homicídios por armas de fogo. Diz-se que nos EUA existem mais de 350 milhões de armas. Fosse o lema verdadeiro, os EUA seriam o pior lugar para viver no planeta!

Por último, há uma questão moral em jogo. Instrument­o não mata! Quem mata é quem o manuseia. Há mais mortes por automóveis do que por armas de fogo! Vamos bani-los? O que se faz? Estabelece­m-se regras para a direção de veículos, da mesma maneira que se passa a fazer, agora, com a flexibiliz­ação do Estatuto do Desarmamen­to! Facas tornaram-se, nestes últimos anos, um instrument­o usado para assassinat­os. Alguém pensa em suprimi-las? Imagine-se cozinhar sem facas!

Pessoas que fazem mau uso de suas armas, assim como de seus veículos ou de suas facas, devem ser responsabi­lizadas por suas ações. É o processo de escolha em ato. Cada um deve assumir o que faz. Não cabe ao Estado tutelar o comportame­nto individual!

A ideia de que povo armado piora o índice de homicídios é falácia desarmamen­tista

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