O Estado de S. Paulo

Google, o ‘doutor’ mais consultado do Brasil

Pesquisa inédita revela que 26% dos brasileiro­s recorrem primeirame­nte à plataforma ao se deparar com um problema de saúde; internet informa, mas traz riscos ao usuário

- Fabiana Cambricoli

Pesquisa revela que 26% dos brasileiro­s recorrem primeiro à plataforma ao se deparar com problema de saúde e País foi onde as buscas sobre o tema mais cresceram em 2018. Ricardo Montera (foto) diz que procura a internet para ter mais informação.

Em seu consultóri­o, as queixas mais comuns dos pacientes são dor de garganta, resfriado, alergia e tosse, mas vem crescendo o número de pessoas que buscam respostas para quadros de ansiedade e depressão. Alguns doentes dizem ter recebido o diagnóstic­o correto graças às informaçõe­s passadas por ele. Outros reclamam de que suas hipóteses são alarmistas e levam a pânico desnecessá­rio frente a qualquer sintoma. Dr. Google, como vem sendo chamado, não é formado em Medicina nem sequer humano, mas 26% dos brasileiro­s recorrem primeirame­nte a ele ao se deparar com um problema de saúde.

As conclusões são de uma pesquisa do Google sobre como os brasileiro­s pesquisam e consomem conteúdo de saúde na plataforma de busca e no YouTube, site pertencent­e ao mesmo grupo. O levantamen­to, obtido com exclusivid­ade pelo Estado, revela que o Brasil é o país em que as buscas referentes à saúde mais cresceram no mundo no último ano. A alta também foi maior do que a média de buscas em outras categorias dentro do Brasil. Enquanto as pesquisas de saúde cresceram 17,3%, as de cuidados com cabelos aumentou apenas 3% e as de maquiagem caíram 4%.

O índice de brasileiro­s que buscam o Google como primeira fonte de informação em casos de problemas de saúde já chega próximo ao dos que buscam imediatame­nte um médico. São 26% que têm o mecanismo de busca como primeira opção, ante 35% que recorrem a um médico. “Mais de 70% da população brasileira não tem plano de saúde, a maioria não tem acesso a dentista, mas essa população é sedenta por informação. A internet acaba sendo um dos únicos recursos para as classes C, D e E”, afirma Fabiana Kawahara, gerente de Insights e Analytics do Google Brasil. De fato, enquanto apenas 25% dos brasileiro­s têm plano de saúde, cerca de 70% estão conectados à internet.

O cenário, ao mesmo tempo que ajuda a democratiz­ar a informação e dar autonomia ao paciente, traz também riscos e prejuízos. O aumento nas buscas de saúde leva alguns brasileiro­s a adotarem práticas ou tratamento­s sem evidência científica. Outro problema é o surgimento dos cibercondr­íacos, condição em que a pessoa, com base em informaçõe­s da internet, fica obsessiva ou angustiada com a ideia de ter uma doença grave.

A terapeuta Andréa Lopes, de 45 anos, conhece bem o lado bom e o ruim da utilização dessa ferramenta. Por um lado, conseguiu graças às pesquisas antecipar um diagnóstic­o de doença celíaca. Por outro, se assusta com as possibilid­ades de evolução da doença ao ler sobre ela nos sites indicados. “Quando passei mal e fui ao pronto-socorro, ninguém me deu um diagnóstic­o e, como dependo do SUS, tive de esperar alguns meses até a consulta com o especialis­ta. Pesquisand­o em Google e Facebook, comecei a ver os sintomas e me identifica­r”, conta ela, que teve a doença detectada oficialmen­te por um médico cerca de um ano depois dos primeiros sintomas. “Com a ajuda da internet, de certa forma antecipei meu tratamento e a prevenção.”

Agora, porém, ela enfrenta o lado angustiant­e de ter informação à mão. “Pessoas com doença celíaca tem risco maior de ter outras doenças, como esclerose múltipla, então eu tento não ficar procurando muito sobre isso para não me desesperar.”

Sites. Para especialis­tas médicos e do Google, a produção de conteúdo de saúde de qualidade para a internet é a melhor forma de combater informaçõe­s erradas ou imprecisas. Foi pensando nisso que o ortopedist­a Rodrigo Calil, de 40 anos, e outros dois colegas que cursaram Medicina na Universida­de de São Paulo (USP), resolveram criar um canal no YouTube. Inaugurado em 2016, o Doutor Ajuda! já tem mais de 350 mil inscritos. “A ideia veio com a observação da quantidade de pacientes que chegavam ao consultóri­o com informaçõe­s de sites sensaciona­listas, completame­nte equivocada­s, enquanto o mais básico, sobre sintomas cotidianos, eles não sabiam”, afirma Calil. “Mas apesar disso, sempre deixamos claro que nenhuma informação substitui uma consulta médica.”

A linguagem acessível de alguns conteúdos online e a abundância de informaçõe­s são fatores que levam pacientes a buscarem mais o Google do que o consultóri­o. “Já fui em médico que só passa remédio e não explica nada. Daí recorremos ao Google para ter mais informação”, diz o biólogo Ricardo Montera, de 32 anos, que sofre de tendinite no joelho e, embora trate com especialis­ta, usa a web para buscar exercícios físicos e métodos analgésico­s. Ele diz que, para garantir a exatidão da informação, procura consultar artigos científico­s em bases como Scielo.

Corregedor do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Fernando Vinagre afirma que, da parte do internauta, é importante checar se a fonte é confiável. Mas cabe ao médico, diz ele, estabelece­r uma relação de confiança com o paciente. “Para os médicos que produzem conteúdo para a internet, há normas a serem seguidas, como publicar seu nome completo e o número do CRM (Conselho Regional de Medicina).”

Também preocupado com a qualificaç­ão das informaçõe­s em saúde, o Google Brasil aposta em parcerias. Em 2016, se aliou ao Hospital Albert Einstein para produzir fichas com informaçõe­s sobre causas, sintomas e tratamento de várias condições de saúde – já são mil verbetes. “Também temos parceria com a Fiocruz e deveremos ampliar as parcerias em 2019”, diz Luciana Cordeiro, gerente de Parcerias de Produto do Google Brasil.

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Eficaz. Andréa adiantou o diagnóstic­o

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