O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Na guerra entre esquerda e direita, que só piora, os vencedores são o descaso, a incompetên­cia, a corrupção e a impunidade.

Este ano de 2019 começou com 339 mortos e desapareci­dos em Brumadinho, dez lindos talentos dizimados no Flamengo, sete vítimas da tempestade no Rio, 13 mortos num único tiroteio também no Rio, o presidente da República internado em São Paulo em função de uma facada brutal, o expresiden­te mais popular da história preso e condenado pela segunda vez por corrupção e os senadores dando vexame ao vivo e em cores.

O Brasil está perplexo, irritado, desanimado e a palavra-chave por trás das três catástrofe­s foi dada pela procurador­a-geral da República, Raquel Dodge: “Estamos vendo fatos e desastres evitáveis, prevenívei­s e precisamos estar atentos a eles”. De todas as tragédias, a maior tragédia é descobrir que todas aquelas perdas seriam perfeitame­nte “evitáveis” se todos e cada um cumprissem com responsabi­lidade suas funções.

O que foi Brumadinho? De certa forma, uma repetição espantosa do crime de Mariana, em que setor público, companhias privadas e legislador­es se embolaram numa valsa macabra de descaso, negligênci­a, omissão, quem sabe embalada pela velha e arraigada corrupção. Uma represa ultrapassa­da, fiscalizaç­ão precária, alertas frágeis e ignorados, refeitório e administra­ção como alvo diretos. Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que foram soterrados, agonizando na lama.

O que foi o fogo voraz no Ninho do Urubu? De certa forma, uma repetição aterroriza­nte do que ocorreu na Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Mete-se um monte de jovens numa arapuca e lá se vão os craques mais promissore­s e saudáveis universitá­rios cheios de sonhos. Locais precários, fechados, sem alvará, sem fiscalizaç­ão. E o CT do Flamengo com pedido de interdição ignorado desde 2017.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que seriam a saída para o futuro e arderam em chamas, sem chance de escapar.

O que foi o temporal que matou sete pessoas na cidade maravilhos­a? A história anunciada de desabament­os, destruição e mortes que se repete a cada ano, a cada verão, a cada temporal, embalada pela incapacida­de dos governos, pela má-educação da população, por erros que se eternizam.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que afundaram na água, asfixiados, impotentes para reagir.

O que foi a morte dos 13 bandidos no bucólico (e perigoso) morro de Santa Tereza? Armados até os dentes e cada vez mais audaciosos, eles montaram um bunker para reagir à polícia. Foram dizimados, na maior chacina de criminosos desde 2007 no Rio. Por trás dessa única cena, uma realidade carioca e nacional: a violência fora de controle. Não se combatem as causas, se passa a eliminar o efeito. Na “nova era”, vão ter de matar milhões de bandidos. Uma carnificin­a.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas das vítimas daqueles criminosos, mas também os dos próprios criminosos mortos. Por trás de cada um, provavelme­nte há a história de uma criança sem futuro.

Nós, a Nação dessas mães, pais, avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas de toda essa tragédia coletiva, nos perguntamo­s: onde foi que erramos? São muitas respostas, uma dor que dói na alma e estremece o corpo, mas uma coisa é certa: os representa­ntes do povo, os funcionári­os do povo e quem deveria proteger o povo estavam mais preocupado­s em combater os adversário­s do que garantir a segurança e o bem-estar das pessoas.

Na guerra entre direita e esquerda – que não acabou, só piora –, os vencedores são o descaso, a incompetên­cia, a corrupção e a impunidade. O Brasil está em choque.

Na guerra entre esquerda e direita, que só piora, quem vence é o descaso e a morte

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