O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/VERA-MAGALHAES/

Estigmatiz­ada pelo governo Jair Bolsonaro, a política será a grande definidora do sucesso ou do fracasso da nova gestão.

Ogoverno Jair Bolsonaro, em seus dois primeiros meses, sofre de um déficit absoluto de política. Acontece que a prática – estigmatiz­ada ao longo dos últimos anos, num processo que atingiu seu ápice na última campanha eleitoral – será a grande definidora do sucesso ou do fracasso da gestão do ex-capitão, algo que ele, seus auxiliares e entusiasta­s parecem ainda não se dar conta.

O vácuo da política não é perceptíve­l apenas na falta de articulaçã­o entre Executivo e Legislativ­o, algo que pode ser explicado pela inexperiên­cia de ministros e parlamenta­res e pela ausência do presidente devido a nova cirurgia a que se submeteu.

Falta interlocuç­ão entre os principais agentes do governo e instâncias como o Judiciário, a imprensa e os expoentes dos setores econômicos. Ainda impera entre os novos inquilinos do poder a sensação, entre ingênua e messiânica, de que se pode levar quatro anos de governo nas mesmas bases que vigoraram na campanha, com Deus acima de todos, muito lero-lero no Twitter, doses cavalares de bobajol ideológico e a esperança de que Paulo Guedes e Sérgio Moro façam o trabalho difícil e cuidem do que de fato importa.

Não há política nem mesmo na relação entre o presidente e o vice, Hamilton Mourão, que por cisma da família Bolsonaro passou a ser visto como alguém inconfiáve­l, incapaz de assumir o dia a dia da administra­ção enquanto o titular está obviamente impossibil­itado de fazê-lo, às voltas com a recuperaçã­o que se vendeu como simples e rápida, quando não era.

É bem provável que, caso Guedes tenha sucesso na virtuosa pauta de sua pasta – que tem a reforma da Previdênci­a, a desburocra­tização da economia, a simplifica­ção tributária e a redução do paquiderme estatal como carroschef­es –, Bolsonaro colha uma popularida­de de longo prazo e se reeleja.

Mas, para que ele obtenha esse êxito, há um longo e tortuoso caminho de negociação com o Congresso, convencime­nto da sociedade e blindagem para esperadas tentativas de frear essas iniciativa­s pela via da judicializ­ação.

Essas forças são organizada­s. São os deputados e senadores, que estão com seus canais de atuação política tradiciona­l obstruídos pela forma de a “nova era” lidar com o Congresso; os sindicatos, ligados a uma oposição ainda em ritmo de tartaruga, mas que vai acordar, e corporaçõe­s que reagirão à redução dos seus privilégio­s com a reforma da Previdênci­a, entre as quais, as mais poderosas são o Judiciário e o Ministério Público.

Achar que se pode ir para uma batalha de votos no Congresso diante desses adversário­s tendo como forças apenas o apoio popular a Bolsonaro – que, aliás, não tem relação direta com uma pauta indigesta como a da Previdênci­a –, as redes sociais e uma “nova” articulaçã­o política feita no varejo, e sem levar em conta os partidos e as lideranças, parece ser o caminho para o fracasso.

Quem percebeu isso nitidament­e, até agora, foi só o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Na ausência de Bolsonaro e diante da paralisia que se abateu sobre o Planalto sem ele, tem sido o presidente da Câmara o mais realista ao dizer que, até aqui, não se sabe que base é essa com a qual o governo pretende contar. E que entupir o Congresso ao mesmo tempo com reforma da Previdênci­a, pacote anticrimes e um caminhão de projetos na área de costumes apresentad­os por novos deputados ávidos por um holofote é meio caminho andado para o fracasso em todas as frentes.

No fim, será a política – nem nova nem velha, a única digna do nome – que separará lacradores de legislador­es e candidatos de governante­s. Quanto antes Bolsonaro e os seus perceberem isso, maiores as chances de o governo sair da paralisia em que está e engrenar.

Estigmatiz­ada na campanha, prática será a diferença entre sucesso e fracasso do governo

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil