O Estado de S. Paulo

Bispos se opõem a políticos em evento

Organizado­res argumentam que Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, não tem participaç­ão de governos

- Felipe Frazão / BRASÍLIA José Maria Mayrink

O grupo de bispos brasileiro­s que prepara o Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, critica a presença de representa­ntes do governo federal no evento. O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, um dos mais próximos do papa Francisco, foi indicado pela Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para levar ao Vaticano o pedido do Planalto para participar do encontro, mas ele sugeriu à equipe do presidente Jair Bolsonaro buscar outro interlocut­or. “Sugeri que o governo acionasse a Embaixada do Brasil na Santa Sé como contato, pois se trata de uma questão diplomátic­a”, disse ele ao Estado.

Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e prefeito emérito da Congregaçã­o para o Clero em Roma, Hummes afirmou que a Igreja Católica não pretende prejudicar Bolsonaro nem dar uma “resposta” a repressões sofridas nos tempos do regime militar. “Deve-se ter a preocupaçã­o de não olhar para o passado, mas para o futuro, pois não é a mesma coisa agora”, disse, referindo-se a setores da Igreja que temem a repetição da conturbada relação do clero com a ditadura militar.

Um dos principais nomes da Igreja Católica em atividade na região Norte, o bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Kräutler, reagiu com estranheza ao interesse do Planalto em influencia­r o encontro religioso para tratar de temas como meio ambiente e índios. “Nós conhecemos a Amazônia muito melhor do que qualquer integrante do governo federal”, afirmou. “Como vão contribuir quando falarmos da situação da floresta, que vivemos há tantos anos?”, questionou.

Entre os integrante­s do Planalto, estão ex-comandante­s militares da Amazônia, como os generais Augusto Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), e Eduardo Villas Bôas, assessor da pasta, além do vice-presidente, general Hamilton Mourão, cuja família é do Amazonas e comandou em São Gabriel da Cachoeira, interior do Estado.

Aos 79 anos, sendo 54 no Pará, d. Erwin disse que é incomum a participaç­ão de autoridade­s políticas nesses encontros globais promovidos pelo Vaticano. “Não, meu irmão. É um Sínodo de bispos!”, disse à reportagem. “Nunca vi membro de governo de qualquer país convidado”, acrescento­u. “O que um representa­nte do governo vai dizer quando estivermos

“Nós conhecemos a Amazônia muito melhor do que qualquer integrante do governo federal. Como vão contribuir quando falarmos da situação da floresta, que vivemos há tantos anos?” D. Erwin Kräutler BISPO EMÉRITO DO XINGU (PA)

tratando de novos caminhos da evangeliza­ção?”

D. Erwin foi um dos autores da Encíclica do Meio Ambiente, documento assinado pelo papa Francisco em 2015, que serviu de base para a decisão da Igreja em realizar o Sínodo. Ele afirmou que os representa­ntes dos governos dos outros oito países da Amazônia

– Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa) – também deveriam ser convidados. “Se convidar alguém do Brasil, o papa terá de chamar também pessoas de outros países. Isso me parece até um absurdo.”

‘Responsabi­lidade’. Outro envolvido nos preparativ­os do Sínodo, o presidente do Conselho Indigenist­a Missionári­o (CIMI), d. Roque Paloschi, disse que o encontro focará uma “realidade” de “direitos negados” a índios, ribeirinho­s, quilombola­s e extrativis­tas. “Não estamos jogando culpa em ninguém, estamos assumindo uma responsabi­lidade histórica que exige de nós clareza”, afirmou. “A Igreja tem de ficar do lado de

quem? Ao lado de quem promove a morte ou de quem busca a vida?”, questionou.

D. Roque discorda da visão do Planalto de que os religiosos agem por simpatia à esquerda e antipatia a Bolsonaro. “A missão da Igreja é viver o Evangelho”, afirmou. “Não temos nada a esconder. Mas também não temos de nos encolher porque há uma preocupaçã­o do governo.”

O Estado questionou o Itamaraty sobre as tratativas com o Vaticano, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. A Embaixada da Santa Sé em Brasília disse que só falaria nesta semana.

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CNBB–17/3/2017 Cardeal. Indicado para levar pedido do governo sobre encontro, d. Cláudio Hummes sugeriu que embaixada fosse acionada

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