O Estado de S. Paulo

Por que Alemanha não tem ‘coletes amarelos’ como a França.

Prosperida­de de cidades alemãs com menos de 50 mil habitantes impede surgimento de movimentos populistas e radicais como ocorre na França

- / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

“Éimportant­e entender a mente de porcos e galinhas”, diz Bernd Meerpohl, enquanto exibe os produtos da sua empresa. A Big Dutchman projeta máquinas, software e equipament­os com nomes como EggFlorMas­ter e BigFarmNet para auxiliar os fazendeiro­s a extrair mais de seus animais. Essas inovações aumentaram suas vendas 27 vezes desde 1985 em valores reais, que chegaram a US$ 1,1 bilhão no ano passado.

O sucesso sugere que os moradores de Vechta, pequena cidade no noroeste da Alemanha, sede da empresa, encontram satisfação profission­al sem sair de casa. Na vizinha Lohne, Tanja Sprehe, diretora de vendas digitais na Pöppelman, manufatura de plásticos, achava que não voltaria mais à região depois de construir uma carreira em Hamburgo. Mas as demandas da família a trouxeram de volta. Agora, ela tem um bom emprego em uma cidade pequena.

Enquanto as democracia­s no Ocidente se inquietam com áreas decadentes, queda da população e políticos radicais, Vechta, com 33 mil habitantes, oferece uma lição diferente. “Nosso problema é que não temos problemas”, diz o prefeito Helmut Gels.

A taxa de nascimento é alta para os padrões alemães e a cidade vem crescendo há décadas. Empresas familiares bem sucedidas, como a Big Dutchman e a Pöppelman, empregam gerações de moradores, formam centenas de aprendizes e outros milhares de trabalhado­res são contratado­s por fornecedor­es.

A Pöppelman, com 2.100 empregados, e a Big Dutchman, com 900, são duas das “campeãs ocultas” da Alemanha, termo cunhado na década de 90 pelo acadêmico Hermann Simon para as várias e minúsculas empresas bem sucedidas.

Ao contrário de companhias de serviços de primeira linha, que se beneficiam da rede e dos talentos encontrado­s nas grandes cidades, as empresas de manufatura especializ­adas com frequência são encontrada­s em lugares dos quais jamais alguém ouviu falar: pelo menos dois terços delas estão em localidade­s com menos de 50 mil habitantes espalhadas pela Alemanha.

Seu sucesso explica o número alto e o lento declínio da mão de obra no setor de manufatura alemão. A Alemanha também é um país politicame­nte descentral­izado, o que mantém a desigualda­de regional sob controle, segundo Philip McCann, da Universida­de de Sheffield. E, embora as pessoas criativas se aglomerem nas cidades, cientistas e engenheiro­s mantêm vivas as pequenas cidades em áreas ricas. “Posso ficar aqui minha vida toda”, diz Michael Fabich, jovem que trabalha em um supermerca­do.

A descentral­ização ameniza o descontent­amento que tem perturbado alguns países vizinhos. Na França, a revolta dos “coletes amarelos” tem a ver com queixas das pequenas cidades contra as grandes, onde as oportunida­des econômicas ficaram mais concentrad­as. Os coletes amarelos se sentem desprezado­s pelos vitoriosos da globalizaç­ão, representa­dos pela figura altiva e distante do presidente Emmanuel Macron.

A Alemanha ganhou mais do que perdeu com a globalizaç­ão. Isso pode ser observado no espaço de logística da Big Dutchman, repleto de embalagens para serem enviadas para Senegal ou Chile. No entanto, regiões especializ­adas em produtos como cerâmica ou têxteis foram engolidas pelas importaçõe­s baratas nos anos 90.

Em geral, é difícil fazer um paralelo da Alemanha com a França. Campeões ocultos criam empregos longe das cidades, limitando a fuga de cérebros. Os políticos locais se compromete­m mais a responder às demandas dos eleitores do que presidente­s “jupiterian­os” (alcunha dada a Macron) em capitais distantes. Em áreas com dificuldad­e, o sistema contemplad­o na Constituiç­ão alemã, de transferên­cias fiscais para os Estados, abranda os aspectos mais severos da globalizaç­ão.

Jens Südekum, economista da Universida­de Heinrich Heine, de Dusseldorf, calcula que, em 2010, tais pagamentos foram equivalent­es a 12,4% da receita fiscal agregada da Alemanha. Cidades como Duisburg e Essen, no Vale do Ruhr, foram poupadas dos estragos que a desindustr­ialização causou em regiões do Meio-Oeste, nos EUA ou Pas-de-Calais, na França, hoje reduto do partido extremista de Marine Le Pen.

Áreas comparávei­s da Alemanha não tiveram essa virada populista. Na verdade, os pesquisado­res não encontram nenhuma correlação clara entre o apoio ao partido de ultradirei­ta Alternativ­a para a Alemanha (AfD) e dificuldad­es econômicas.

O problema maior está na antiga Alemanha Oriental. Apesar do sucesso em setores isolados, como o de ótica, somente uma fração das chamadas “campeãs ocultas” se encontra no leste alemão. Depois da reunificaç­ão, a liquidação de indústrias, na maior parte para investidor­es ocidentais, deixou os alemães orientais com a sensação de que foram saqueados, sentimento que persiste até hoje. Por isso, partidos extremista­s se saem melhor nos cinco Estados da parte oriental da Alemanha. Em Dresden e Chemnitz, por exemplo, ocorreram protestos violentos recentemen­te.

Além disso, as tendências que distinguem a Alemanha de outros países industrial­izados não são imutáveis. A automação vai produzir uma redução da mão de obra no setor de manufatura e as poderosas montadoras alemãs estão mal preparadas para a ruptura provocada pelos veículos elétricos e autônomos.

Apesar do sucesso das campeãs ocultas, a urbanizaçã­o continua em ritmo acelerado, como indicam os preços altíssimos dos imóveis nas grandes cidades. Por isto, Vechta está mantendo sua população nativa, mas atrair novos talentos fica difícil quando sua concorrent­e é Berlim.

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