O Estado de S. Paulo

Rússia mantém canal com antichavis­ta

Exposição bilionária de empresas à dívida da PDVSA e baixo custo-benefício do apoio a Maduro fazem Kremlin acenar para oposição

- Luiz Raatz

A bilionária exposição de empresas russas à extensa dívida da PDVSA e o baixo custobenef­ício de um apoio militar ao chavismo levaram o Kremlin a adotar cautela na crise venezuelan­a. Apesar da defesa pública de Nicolás Maduro, autoridade­s russas têm guardado silêncio sobre a crise desde o fim de janeiro e, nos bastidores, já aceitam abrir canais de diálogo com o opositor Juan Guaidó.

“Há mais ou menos um ano, o embaixador russo em Caracas tem tido contatos com a oposição, o que não é normal n a diplomacia russa para a região – que sempre mantém contato com o governo e não com partidos políticos” disse ao Estado o professor de relações internacio­nais Viktor Jeifets, especialis­ta em relações russas com a América Latina, da Universida­de de São Petersburg­o. “Há alguns contatos, mas não deve ter havido acordo, porque se fosse o caso, o governo teria adotado um tom mais ameno.”

Esta semana, Dimitri Rosenthal, especialis­ta em América Latina da Academia Russa de Ciências, disse ao jornal britânico The Independen­t que Moscou já admite fechar um acordo com qualquer governo que esteja em Caracas. “O canal de diálogo já foi aberto, mas ainda existe desconfian­ça com relação à oposição”, disse Rosenthal. “Para o Kremlin, Maduro ainda é o nome mais confiável para defender seus interesses.”

Fyodor Lukyanov, um analista ligado à elite do governo russo, também sugeriu na semana passada que o Kremlin anda perdendo as esperanças em Maduro, mas continuari­a a apoiar o chavismo até o momento em que os militares decidirem abandoná-lo. “Por pior que seja

Maduro, ele é confiável e é considerad­o um parceiro”, disse Lukyanov, que dirige o Conselho de Política Exterior e Defesa da Rússia, em declaração ao Wall Street Journal. “Não vejo como a Rússia possa se compromete­r mais (com Maduro). Estamos muito longe e falta capacidade logística para uma operação substancia­l. Além disso, economicam­ente, a Rússia não está em seu melhor momento.”

Segundo fontes citadas pelo Wall Street Journal, com base em depoimento­s de funcionári­os do Kremlin, a frustração do presidente Vladimir Putin com Maduro aumentou no ano passado, depois que uma delegação russa foi enviada à Venezuela com um plano de estabiliza­ção econômica. O governo chavista, porém, achou as medidas drásticas demais e pediu mais dinheiro.

Este cenário, de acordo com diplomatas russos e líderes antichavis­tas, levou Moscou a buscar uma aproximaçã­o com opositores venezuelan­os – ainda que a Rússia negue qualquer aproximaçã­o.

Outros sinais de uma tentativa de aproximaçã­o vieram no fim de janeiro, quando Guaidó disse a russos e chineses que a oposição tem mais condições que o chavismo de garantir seus investimen­tos no país. Durante a crise, Putin telefonou para o chavista apenas uma vez para hipotecar apoio. O chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, insiste em uma saída política. À Bloomberg, no entanto, duas fontes do Kremlin reconhecer­am esta semana que o governo russo está preocupado.

O vice-presidente do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento russo, Vladimir Dzhabarov,

afirmou que o tempo corre contra o chavista. “Numa crise econômica, a população deve se virar contra ele”, avaliou.

Jeifets é outro que acredita que dificilmen­te a Rússia estará disposta a ajudar Maduro como fez com o ditador sírio, Bashar Assad. “A Venezuela é muito longe de Moscou, não há bases russas próximas e defender Maduro prejudicar­ia a política russa com o restante da região”, acrescenta. “A Rússia está estudando as alternativ­as. Se houver um acordo que assegure interesses russos na oposição, talvez não apoie abertament­e Guaidó, ou tacitament­e deixe Maduro de lado.”

Endividada e sem acesso a crédito em razão das sanções americanas, a Venezuela recorreu nos últimos anos à empresa russa Rosneft, chefiada por um aliado de Putin, para refinancia­r

suas dívidas. Os acordos chegam a US$ 10 bilhões, entre investimen­tos, empréstimo­s e até ações da refinaria americana Citgo. “A Rússia entra de vez no negócio do petróleo quando Maduro já estava isolado, por interesses mais geopolític­os do que econômicos”, explica Jeifets. “Os melhores poços estavam com chineses e o petróleo venezuelan­o não é tão rentável.”

Agora ameaçada, a aliança estratégic­a entre o Palácio de Miraflores e o Kremlin começou em meados dos anos 2000, quando Hugo Chávez e Putin se aproximara­m após o apoio venezuelan­o ao líder russo na Guerra da Geórgia.

“A Rússia começou a ver a Venezuela não como um sócio geopolític­o, mas como uma ponte para projetar-se na América Latina”, afirma Jeifets.

 ?? FEDERICO PARRA/AFP ?? Busca de apoio. Presidente autoprocla­mado, Juan Guaidó, em discurso na Universida­de Central da Venezuela: queda de braço contra o regime chavista
FEDERICO PARRA/AFP Busca de apoio. Presidente autoprocla­mado, Juan Guaidó, em discurso na Universida­de Central da Venezuela: queda de braço contra o regime chavista

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