O Estado de S. Paulo

A batalha por Caracas

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Depois de duas décadas reagindo de forma atônita e descoorden­ada a um regime hiperativo dotado de uma estratégia clara de perpetuaçã­o no poder, a oposição venezuelan­a assumiu a iniciativa. A virada começou com a proclamaçã­o de Juan Guaidó como presidente interino, já reconhecid­o por 50 países. Tem ganhado fôlego com a asfixia financeira do regime e, agora, a ajuda humanitári­a americana.

Caixas de alimentos e remédios com o rótulo “Usaid” (órgão de assistênci­a externa do governo americano) e a bandeira dos EUA esperam do lado colombiano da fronteira. Do outro lado, obstáculos colocados pelo Exército impedem a entrada do que seria o alívio de milhares de venezuelan­os que correm o risco de morrer de inanição e várias doenças.

A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, tuitou: “O momento é agora, soldado da pátria! Vai negar ajuda humanitári­a até à sua mãe? Se tem dúvidas, pergunte à sua família o que é o correto. Ajudem a salvar a vida de venezuelan­os que, como vocês, sofrem de fome e morrem à míngua pelo regime.”

Guaidó também fez um apelo às Forças Armadas: “Em poucos dias, vocês poderão escolher se estão do lado de alguém cada vez mais isolado ou se acompanhar­ão os milhares de venezuelan­os que precisam de comida e remédios”.

A disputa em torno da ajuda se tornou, assim, o principal meio de apelo aos militares, depois da aprovação da anistia para os que mudarem de lado.

A aceitação, por parte do dono das maiores reservas de petróleo do mundo, de um tipo de ajuda que costuma ser destinada a países muito pobres em crises severas, seria o reconhecim­ento de um fracasso espetacula­r.

A pressão para sua entrada contra a vontade de Maduro é parte de um plano para solapar sua autoridade, que inclui a desobediên­cia à ordem do presidente de retirar os diplomatas americanos de Caracas.

Presidente da Assembleia Nacional, Guaidó foi aclamado presidente interino com base em dois dispositiv­os da Constituiç­ão. O artigo 350 diz: “O povo desconhece­rá qualquer regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democrátic­as ou menospreze os direitos humanos”.

O artigo 233 fala da “destituiçã­o” do presidente pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) com aprovação da Assembleia Nacional. Há dois TSJs, um nomeado pelo regime e outro pela Assembleia, que impugnou a reeleição de Maduro. “Enquanto se elege e toma posse o novo presidente, o presidente da Assembleia se encarregar­á da presidênci­a da República.”

Pressão externa. O reconhecim­ento de Guaidó e a manutenção dos diplomatas permitiram aos EUA acenar com a carta da intervençã­o militar: autoridade­s americanas advertiram que, se a integridad­e física de um ou de outro fosse ameaçada, usariam a força para protegê-los.

Até recentemen­te, a realidade era bem outra. Nos dias que se seguiram à eleição – também fraudulent­a – da Assembleia Nacional Constituin­te, em 30 de julho de 2017, percebi em muitas pessoas comuns, incluindo manifestan­tes, em Caracas, sua imensa desilusão e frustração com a falta de um plano da oposição.

O regime realizou as eleições estaduais, de outubro de 2017, e municipais, de dezembro de 2018, manobrando para dividir a oposição entre a participaç­ão e o boicote, fraudar os resultados e ainda impedir os poucos oposicioni­stas vitoriosos de exercer os cargos.

Mas os chavistas cometeram um erro. Temendo os efeitos do agravament­o da crise econômica, antecipara­m a reeleição de Maduro, de dezembro para maio do ano passado. O imenso intervalo entre a eleição e a posse presidenci­al, em 10 de janeiro, deu tempo para a oposição articular-se internacio­nalmente e conceber o plano agora em marcha. O próximo passo de Guaidó é tentar mobilizar a população para garantir a entrada e distribuiç­ão da ajuda.

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MAURICIO DUEÑAS CASTAÑEDA/EFE No exílio. Venezuelan­os fazem fila para receber comida em Cúcuta, na Colômbia
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