O Estado de S. Paulo

PROVOCAÇÃO VAI TAMBÉM À SAPUCAÍ

Festa terá crítica ao prefeito e tributo a Marielle

- Fábio Grellet / RIO

Protagonis­ta do primeiro escândalo ligado ao presidente Jair Bolsonaro após sua eleição, o ex-assessor parlamenta­r Fabrício Queiroz inspirou um grupo de foliões cariocas a criar o Essa é do Qróiz. Mas, assim como Queiroz não compareceu ao Ministério Público do Estado do Rio para prestar depoimento em nenhuma das quatro vezes em que foi convidado até agora, os foliões também planejam não comparecer ao desfile do bloco. “Só vamos aparecer para desfilar se o Queiroz aparecer para depor”, conta o produtor cultural Ricardo de Moraes, de 60 anos, um dos criadores.

O Essa é do Qróiz, brincadeir­a também com o nome do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900), já ganhou até uma logomarca: uma laranja com braços cujas mãos simulam segurar uma arma – gesto símbolo de Bolsonaro durante a campanha eleitoral. A laranja foi escolhida porque, no jargão policial, designa a pessoa que “empresta” seu nome para ocultar a origem ou o destino de dinheiro ilícito.

Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf), órgão do governo federal, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, quando atuava como assessor parlamenta­r e motorista de Flávio Bolsonaro (PSL), então deputado estadual no Rio e hoje senador, além de filho do presidente. O assessor fez depósito de R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle. As transferên­cias criaram a suspeita de que Queiroz atuasse como “laranja” da família, o que sempre foi negado pelos Bolsonaro.

“Por enquanto não temos planos de desfilar, até porque parece que o Queiroz também não vai depor”, diz Moraes. “Vamos divulgar só nossas posições: nesta semana, queríamos que a enchente (que deixou sete mortos) não tivesse aparecido nem o incêndio no Ninho do Urubu (centro de treinament­o de Flamengo, onde dez atletas morreram). E queríamos que o governo tivesse aparecido.”

Na Sapucaí. O tom político também vai chegar ao carnaval da Sapucaí, como é comum. No ano passado, a escola de samba Paraíso do Tuiuti retratou um vampiro com faixa de presidente da República, menção velada a Michel Temer.

Neste ano, a Acadêmicos do Sossego vai levar ao sambódromo um boneco do diabo com as feições do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB). A escola, que é de Niterói, região metropolit­ana do Rio, e desfila na segunda divisão do concurso carioca, apresentar­á o enredo Não se meta com minha fé, acredito em quem quiser, em que defende a liberdade religiosa. Sobrinho de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella é pastor licenciado da igreja do tio.

Criticado pelos sambistas por reduzir a verba destinada pela prefeitura às escolas de samba e por tentar impor regras que dificultam o desfile dos blocos, Crivella já havia sido criticado na Sapucaí pela Mangueira, que em 2018 apresentou o enredo Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco.

Neste ano, mais uma vez a Verde e Rosa fará críticas políticas em um enredo sobre a história do Brasil que não está registrada nos livros didáticos. O samba se tornou muito popular, com um verso em que cita a vereadora Marielle Franco, assassinad­a em março do ano passado.

“O carnaval é vivo e contestado­r e tem intimidade com as coisas do povo. Quando as questões políticas ganham protagonis­mo, o carnaval reflete isso, com seu caráter irreverent­e, satírico. O Brasil vive uma escalada conservado­ra, e isso é sempre visto com estranheza pelo carnaval”, avalia o carnavales­co Leandro Vieira, responsáve­l pelo enredo História para ninar gente grande.

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