O Estado de S. Paulo

A dor da espera por um desapareci­do

Duas semanas após rompimento de barragem da Vale em Brumadinho (MG), parentes que aguardam resgate tentam continuar a vida

- Pablo Pereira

Dezenas de familiares de pessoas cujos corpos não foram localizado­s mais de 15 dias após a tragédia de Brumadinho, a cerca de 60 quilômetro­s de Belo Horizonte, vivem o drama da ausência dos parentes após o desmoronam­ento da barragem, que deixou um rastro de morte e destruição e um risco de vítimas jamais serem achadas. Até ontem, a lista de buscas na área do desastre contava 182 desapareci­dos.

“Voltamos para BH. Não estava aguentando mais”, confessou o taxista José Maria da Silva, de 68 anos, pai do engenheiro da Vale Alexis Adriano da Silva, de 41 anos, que ontem permanecia na lista dos não encontrado­s pelo resgate.

Tentando achar um jeito de retomar a vida sem a companhia do filho, um parceiro semanal de partidas de futebol na capital, José Maria e a mulher, Sônia, passaram a segunda semana sem notícias de Alexis envolvidos com a tarefa que os tem ajudado a suportar essa ausência: o cuidado com os netos.

Três anos atrás, Alexis perdeu a mulher, Flaviana, aos 36 anos, e passou a contar com os pais no cotidiano da criação de Gabriel, hoje com 7 anos, e Samuel, de 3, sob a guarda dos avós. “As crianças vão para a escola agora”, explicou o avô na última terça-feira, ao meio-dia.

Assim como José Maria e Sônia, a mesma angústia atormenta Paloma Cunha, de 22 anos. Ela é sobreviven­te do desastre em que perdeu o marido, Robson Gonçalves, 26 anos, encontrado e sepultado dois dias após a tragédia, mas sofre com a ausência do filho, Heitor, de menos de 2 anos, desapareci­do na lama da barragem que atingiu a casa da família. A irmã Pâmela, de 13 anos, foi localizada e identifica­da ontem.

Pressão. Além do sofrimento, cresce também a dor do temor de jamais encontrar os parentes. “Isso aconteceu aqui em Niterói”, lembrou Francisco de Souza, de 58 anos, presidente da Associação de Vítimas do Morro do Bumba, no Rio, onde em 2010 morreram ao menos 48 pessoas após o desmoronam­ento de um lixão. “Houve 48 mortes confirmada­s, mas oito pessoas nunca foram encontrada­s”, afirmou. Ele recordou que houve soterramen­to com até oito metros de lama, o que impediu as buscas.

“O pessoal de Brumadinho tem de se organizar para pressionar o Ministério Público, a Justiça, porque depois que o caso some da mídia, as vítimas são esquecidas”, afirmou. “Eles têm de buscar logo a Justiça para manter as buscas e obter os documentos. Depois, começa um outro período de dificuldad­es para as famílias.”

Na Justiça mineira, magistrado­s admitem o risco de pessoas não serem achadas, mas preferem aguardar o fim das buscas para tratar de documentos, como a “declaração de óbito” para desapareci­dos. Segundo o promotor Rômulo Carvalho, da força-tarefa de apoio às famílias, a ideia é de uma ação conjunta para obtenção de documentaç­ão.

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PABLO PEREIRA / ESTADÃO Angústia. José Maria da Silva com a mulher, Sônia

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