O Estado de S. Paulo

3 PERGUNTAS PARA...

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Tânia Maria Alves, médica do Instituto de Psiquiatri­a do HC-USP

1. Há uma dificuldad­e maior em lidar com a perda de um familiar quando o corpo não é encontrado?

Sim. O luto se instala quando vem uma confirmaçã­o externa da perda. Se não há corpo, não há confirmaçã­o, então há o retardamen­to da entrada no processo de luto, necessário para a superação. Sem o corpo, o familiar não se sente autorizado a considerar a morte, se obriga a ainda ter esperança. Não é ele que vai considerar a pessoa morta porque isso gera uma culpa.

2. No caso de uma tragédia como Brumadinho, o fato de haver vários mortos e desapareci­dos piora o clima no local para os sobreviven­tes?

Por incrível que pareça, uma tragédia coletiva não é um fator agravante, é um fator protetor. Isso porque, como muitas pessoas passaram pela mesma situação, se cria uma solidaried­ade por identifica­ção e aquele sentimento de descrença com o mundo e com o ser humano é minimizado por esse apoio mútuo.

3. Pessoas que passaram por esse trauma costumam desenvolve­r problemas psíquicos?

Há maior chance de desenvolve­rem depressão, estresse pós-traumático, dependênci­a química, síndrome do pânico. O risco de suicídio também aumenta. Por isso, é preciso que todos os sobreviven­tes e familiares de vítimas passem por triagem psicológic­a para checar a necessidad­e de acompanham­ento. O ser humano tem dificuldad­e de lidar com muitas perdas ao mesmo tempo e, nesse episódio, foram várias: muitos perderam um ou mais familiares, a casa, o emprego, a renda, o animal, as memórias, tudo. / FABIANA CAMBRICOLI

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