O Estado de S. Paulo

A batalha pela idade mínima igual

Equipe econômica se prepara para tentar convencer opositores da necessidad­e do limite de 65 anos para homens e mulheres no INSS

- Idiana Tomazelli Adriana Fernandes /

A fixação de uma mesma idade de aposentado­ria (65 anos) para homens e mulheres, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é uma das principais polêmicas na proposta de reforma da Previdênci­a revelada na semana passada pelo ‘Estadão/Broadcast’. E, prevendo um duro debate – até o presidente Jair Bolsonaro já se manifestou contra isso –, a equipe econômica tenta afiar o discurso que será adotado para defender a idade mínima igual.

Além da expectativ­a de vida, que é maior para mulheres, a área econômica reuniu dados salariais dos mais jovens para mostrar que a desigualda­de de renda por gênero tem caído de forma acelerada nos últimos anos. Enquanto homens entre 50 e 59 anos ganham em média 41,7% a mais que as mulheres dessa idade, a diferença cai a 6,5% na faixa entre 15 e 19 anos. Os homens nessa idade ganham em média R$ 1.071,90 e as mulheres jovens recebem R$ 1.006,10, segundo dados de 2017.

No Congresso, a ideia é usar a base aliada do governo para tentar “rachar” a bancada feminina, que foi a principal resistênci­a contra a medida na reforma proposta pelo ex-presidente Michel Temer. Com 43 das 77 deputadas eleitas para o primeiro mandato, a avaliação é de que é possível estabelece­r um novo equilíbrio de forças dentro da bancada, em contrapont­o à posição da ex-coordenado­ra Soraya Santos (PR-RJ), que atuou para reduzir a idade mínima das mulheres.

Conta a favor o fato de que o PSL, de Bolsonaro, tem, sozinho, dez deputadas. A coalizão pode ainda receber o reforço de outras parlamenta­res com perfil mais liberal. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, algumas delas já estão buscando a equipe econômica para questionar justamente sobre esse ponto da proposta de reforma da Previdênci­a.

De acordo com uma fonte da área econômica, a desigualda­de encontrada no Brasil é menor que a existente nos Estados Unidos e equivalent­e à encontrada em países desenvolvi­dos como Dinamarca, Suécia, Noruega,

Bélgica e Nova Zelândia. Como são os jovens que hoje têm entre 15 e 19 anos que vão se aposentar com a idade mínima implementa­da pela reforma, a equipe econômica se decidiu pelo mesmo patamar.

Transição. Para quem já está no mercado de trabalho e tem perspectiv­a de se aposentar por tempo de contribuiç­ão (hoje de 35 anos para homens e 30 para mulheres), as exigências da transição só convergem daqui a 20 anos, destacou a fonte. Ou seja, até lá, a mulher ainda se aposenta com menos exigências que o homem. Na aposentado­ria

por idade, o patamar exigida dos homens já é de 65 anos (desde que tenha pelo menos 15 anos de contribuiç­ão). A das mulheres, de 60 anos, subirá 6 meses a cada ano até chegar aos 65. Ou seja, a convergênc­ia dura uma década.

Uma das expoentes da bancada do partido de Bolsonaro na Câmara, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou ao Estadão/Broadcast que é favorável à idade mínima igual para homens e mulheres. “Daqui pra frente, sim. A gente não vai mexer em direito adquirido de ninguém. Mas nós lutamos pelos mesmos direitos, também

temos de ter os mesmos deveres”, disse. Na semana passada, ela inaugurou a batalha de comunicaçã­o do governo nessa frente ao discursar em plenário a favor da equiparaçã­o das idades mínimas. A deputada reconheceu

que Bolsonaro “é bem duro” em relação à ideia, mas contou que a equipe econômica “está tentando fazer o convencime­nto”.

Joice afirmou que o governo não se preocupa “com a patrulha da esquerda” sobre o tema. “A gente tem de trabalhar no convencime­nto dos nossos, é do centro para cá, do centro para a turma do PSL”, disse.

Coordenado­ra da bancada feminina em 2017, quando teve papel central na negociação que dobrou as resistênci­as do governo Temer em flexibiliz­ar a idade para mulheres, a deputada Soraya Santos é a primeira mulher a ocupar a primeira-secretaria da Mesa da Câmara, eleita numa disputa acirrada contra o deputado Fernando Giacobo (PR-PR).

“A importânci­a de ter essa diferença de idade é porque muitas vezes a pessoa pensa que, pelo fato de a mulher viver mais que o homem, deveria ter a mesma idade na aposentado­ria. Mas, isso ainda é uma simbologia muito forte, porque a mulher ainda tem dupla e tripla jornada. Se isso fosse computado, a diferença seria enorme. A diferença (na idade) que a gente defende é pelo nível de responsabi­lidade e de jornada que a mulher tem”, afirmou Soraya antes da votação que a elegeu para a Mesa. Ela evitou fazer comentário­s sobre a reforma dizendo não conhecer o conteúdo da proposta de Bolsonaro.

Diferença. Contrária à equiparaçã­o, a deputada Erika Kokay (PT-DF) argumenta que as mulheres trabalham mais que os homens e enfrentam até tripla jornada. Para ela, há ainda grande desigualda­de no mercado de trabalho, e a diferencia­ção nas idades de aposentado­ria é uma das poucas políticas públicas existentes para combater esse problema. “O governo quer destruir uma das únicas políticas que se tem para enfrentar a desigualda­de de gênero. É um retrocesso. As mulheres têm mais deveres do que os homens”, afirmou. Segundo ela, há parlamenta­res homens que também votarão contra a equiparaçã­o das idades. A ideia é lançar uma Frente Parlamenta­r em defesa dos direitos das mulheres, disse a deputada petista.

Para atacar as desigualda­des que ainda existem por conta da dupla jornada – muito relacionad­a à criação dos filhos –, o governo estuda um mecanismo para dar um “bônus” às mães. Segundo uma fonte que participa das discussões, a ideia é compensar a mulher que tem o valor do seu benefício prejudicad­o por conta da dupla jornada, que geralmente acaba fazendo com que ela trabalhe menos horas e com salário menor. Uma opção é injetar um valor adicional no benefício que ela vai receber na aposentado­ria, mas há quem acredite que o presidente pode acabar optando por dar a redução da idade como bônus.

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