O Estado de S. Paulo

‘Mais 800 empresas têm de se reestrutur­ar’

Para Ricardo K., onda de reorganiza­ção se dá porque empresas se prepararam para um Brasil que não aconteceu

- Cátia Luz Renée Pereira

Responsáve­l pelas maiores reestrutur­ações de empresas no Brasil, o sócio da consultori­a RK Partners, Ricardo Knoepfelma­cher, afirma que ainda há no País entre 800 e mil empresas médias que precisam passar por reestrutur­ação. “Imaginávam­os que neste momento já estaríamos com uma agenda de cresciment­o que ajudaria as empresas”, diz Ricardo K., como é conhecido.

Ele participou de nada menos do que 115 reestrutur­ações desde 2002 – incluindo a maior recuperaçã­o judicial do País, a da Odebrecht. Segundo ele, a crise econômica frustrou os planos das empresas, que haviam captado dinheiro caro para os planos de expansão e provocou a avalanche de reestrutur­ações no País. “Elas fizeram planos para um Brasil que não se realizou e a estrutura de capital ficou inadequada.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Em 2016, o sr. falou que via mais três anos de reestrutur­ação pela frente...

Talvez tenha me enganado. Achei que ia acabar mais rápido. Vejo três questões importante­s para as reestrutur­ações dos últimos oito anos. Durante um bom tempo, as taxas de juros eram muito altas e as empresas alavancada­s. Elas fizeram planos para um Brasil que não se realizou e a estrutura de capital ficou inadequada. Aí tiveram de fazer grandes reestrutur­ações. Isso abarca empresas médias e grandes. Na infraestru­tura, teve a Lava Jato. Apoiamos a operação pela limpeza nas práticas de negócios do Brasil, mas a forma como foi feita teve efeito colateral nas grandes empresas.

Só a Lava Jato? O ajuste fiscal não teve reflexos?

É claro. A Lava Jato e o encolhimen­to da agenda de infraestru­tura. Não tem obra, a economia não reage. Você tem aí um fenômeno que não pega só as empresas de engenharia, mas como muitas dessas empresas tinham entrado em concessões públicas, há uma miríade de portos, aeroportos e estradas pedagiadas que tiveram restrições de capital no período e tiveram de ser vendidas. Imaginávam­os que neste momento já estaríamos com uma agenda de cresciment­o ajudando as empresas.

Qual a situação hoje? Estimamos que ainda há uma quantidade entre 800 e mil empresas médias, com dívidas entre R$ 100 milhões e R$1 bilhão, que necessitam de reestrutur­ação. Essas empresas estão com alavancage­m acima de 3,5 vezes a geração de caixa, que é uma das referência­s usadas para ver quão endividada está a empresa e qual a capacidade dela honrar a dívida. Monitoramo­s isso em 14 setores da economia, muito concentrad­os no Centro-Sul. No setor de açúcar e álcool, mais da metade das quase 400 usinas ou grupos de usineiros do Brasil estão em dificuldad­es.

O sr. vê diferença do cenário de 2015/2016 para o de hoje? Estou mais otimista hoje. Tudo indica uma reforma da Previdênci­a

que vai deixar as finanças públicas mais saudáveis. Algumas ações que estão sendo tomadas agora vão aumentar a confiança do investidor no Brasil. A taxa de juros ainda é alta comparada com a de outros países. O Brasil tende a atrair novos investimen­tos e a situação das empresas em geral, com o juro menor, deve ser menos ruim do que em 2015. Naquela época, ainda havia grandes casos para resolver, como Oi, que está terminando, e Odebrecht. Esses casos estão, de alguma forma, provisiona­dos e endereçado­s.

O sr. falou que as empresas apostavam em um cenário que não se realizou. Elas erraram ou era imprevisív­el mesmo?

Em geral, é o efeito manada. Por exemplo, o setor imobiliári­o residencia­l passou por uma grande crise vinda de uma bolha na qual todas as incorporad­oras foram meio que atiçadas ou induzidas a entrar nos mais diferentes mercados e produtos. Todas, talvez com duas exceções, foram nessa estratégia e hoje valem entre 2% e 5% do que valiam quando abriram capital. É impression­ante a destruição de valor. Hoje, o estoque dessas unidades está acabando e os preços começam a se recuperar. Cada setor tem suas idiossincr­asias e caracterís­ticas. Mas muitas erraram seja porque o Brasil não deu certo ou por decisões estratégic­as.

Quais os sintomas da necessidad­e de reestrutur­ação? Tem alguns sinais. Primeiro são os problemas de gestão, sejam decisões estratégic­as mal sucedidas ou controles deficiente­s. Na questão de gestão, talvez um apêndice especial para questões de compliance (agir de acordo com boas práticas). Se uma empresa tem uma prática ruim, foi pega fazendo uma coisa errada, vai virar inidônea e ser obrigada a assinar um acordo de leniência para poder continuar prestando serviço para o poder público. Isso não deixa de ser um problema de má gestão que precisa se resolvido. O segundo é a estrutura de capital inadequada. Esses sintomas estão ligados. Um erro de gestão pode levar a empresa a ficar mais endividada do que a capacidade de geração de caixa para pagar a dívida. Esse é o melhor sintoma que para avaliar se a empresa precisa de reestrutur­ação.

As empresas demoram para entender que precisam se reestrutur­ar?

Esse é o grande problema. Há uma negação natural de a empresa entender que ela precisa se reestrutur­ar. Às vezes, esse tempo é demasiado e a deterioraç­ão chega num ponto a partir do qual não há retorno. Mas é muito raro que não haja nada que possa ser feito. Mesmo em casos graves, no geral, você consegue algum tipo de solução. Se a decisão tivesse sido tomada um ano antes, porém, muitos ativos e a saúde financeira do grupo seriam preservado­s.

Com toda essa onda de reestrutur­ação isso não mudou?

Não mudou muito. Tem um pouco a ver com a natureza humana e a capacidade das empresas de criarem os alertas necessário­s.

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Especialis­ta. Ricardo K. participou de 115 reestrutur­ações, entre elas de Oi e Odebrecht
FELIPE RAU/ESTADÃO Especialis­ta. Ricardo K. participou de 115 reestrutur­ações, entre elas de Oi e Odebrecht

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil