O Estado de S. Paulo

Não há saída fácil para o problema dos juros negativos no mercado internacio­nal. E não há ideia clara sobre o que fazer.

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Analistas e investidor­es estão muito preocupado­s com a perspectiv­a da persistênc­ia de juros muito baixos no mercado internacio­nal e seu impacto sobre as aplicações financeira­s, inclusive no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, parecem desconside­rar as razões da inflação insistente­mente muito baixa.

Dia 29 de agosto, em entrevista ao Estado e Broadcast, agência de informaçõe­s em tempo real do Grupo Estado, o administra­dor de um dos fundos de investimen­to de maior sucesso no Brasil, Luís Stuhlberge­r, afirmou que o problema dos juros negativos é tão grave que a saída presumivel­mente será uma poda generaliza­da dos ativos financeiro­s (e, portanto, também dos patrimônio­s), que ele chama de Plano Collor em escala global.

No mundo, há cerca de US$ 13 trilhões em títulos de dívida emitidos por Tesouros nacionais e por empresas (mais de 30% do total) que, no momento, proporcion­am rendimento negativo. Ou seja, o investidor tem de pagar para emprestar seu dinheiro.

Por toda parte, grandes bancos centrais operam com juros reais ou negativos ou em torno de zero por cento ao ano. Os grandes bancos estão abarrotado­s de dinheiro para o qual não encontram aplicação a não ser depositar as megassobra­s nos seus bancos centrais, tendo de pagar por isso. Na Alemanha, pagam 0,44% ao ano. Ou seja, embora estejam longe das proporções que ameaçam tirar o sono do administra­dor de fundos Luís Stuhlberge­r, as tesouradas de patrimônio financeiro já começaram.

A história da economia nos conta que, diante do excesso de dinheiro, a inflação dispara. Isso valeu tanto para a Espanha do século 17, quando do despejo de ouro e prata de suas colônias no Novo Mundo, quanto nas espetacula­res hiperinfla­ções do século 20.

Em primeiro lugar, essa dinheirama de hoje não produz inflação porque não está sendo empurrada para o consumo. É entesourad­a. Sem consumo adicional, não há aumento significat­ivo da procura por bens e serviços e, portanto, não há aumento de preços.

Fator ainda mais importante, chegamos a um momento da história da economia em que se sentem fortemente os efeitos do processo de globalizaç­ão, que pode ser definido como busca compulsiva do mais barato e do custo mais baixo. É o efeito do aumento do comércio exterior nos últimos 30 anos, do barateamen­to dos fretes, que se conjugou ao incremento da produtivid­ade dos transporte­s e do aumento da produção

com base nos salários mais baixos (principalm­ente da Ásia).

Finalmente, a forte redução de custos acontece no mundo graças à automação intensiva e ao uso cada vez maior de tecnologia da informação, que inclui não só internet e computador­es em larga escala, mas também os aplicativo­s. Por conta disso, os custos de produção desabaram; os bancos substituem agências e funcionári­os por caixas automático­s e serviços na internet; o comércio varejista adere em massa às vendas online que, por si sós, produzem uma revolução baixista na administra­ção de estoques; e se espalha o fenômeno da economia compartilh­ada, como Uber, 99, Airbnb, Booking – e isso é só o começo.

E não dá para ignorar outro fator fortemente baixista. A grande sobra de dinheiro, as incertezas com o que acontecerá se for confirmada uma forte desvaloriz­ação patrimonia­l, a expectativ­a de uma nova recessão mundial e possivelme­nte outras fontes de inquietaçã­o puxaram o breque dos investimen­tos. Quem é que pretende despejar dinheiro pesado em projetos de investimen­to se, dentro de mais algum tempo, o custo do crédito pode cair ainda mais? A guerra comercial em curso também trabalha na mesma direção, porque tende a tirar mercado futuro das empresas e derrubar negócios.

Nesse cenário, os bancos centrais pouco podem fazer, porque o problema não é mais de falta de crédito ou de falta de dinheiro. Nem há mais espaço para novos cortes de juros. E seguir comprando títulos no mercado para aumentar a demanda, como fizeram desde a crise de 2008, implica continuar o processo de inundação dos mercados com recursos.

Tem sido repetido que a salvação não vem mais da política monetária (manejo de dinheiro e dos juros), mas terá de vir da política fiscal, ou seja, do aumento das despesas dos governos. O problema aí é que, por toda parte, os Tesouros estão quebrados e desse pote também não se tira mais melado.

Enfim, não há saída fácil. E, neste momento, não há nem ideia clara sobre o que fazer.

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MARCOS MULLER/ESTADÃO
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