O Estado de S. Paulo

As guerras de Bolsonaro geram perplexida­de no presente e dúvidas quanto ao futuro do País. Aonde isso vai nos levar?

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Quanto mais atordoado, mais o presidente Jair Bolsonaro dá asas ao que há de pior na sua personalid­ade e mais amplia suas frentes de batalha, internas e externas. O ambiente é de perplexida­de com o presente e de dúvidas quanto ao futuro, enquanto vai ficando gritante o fosso entre um presidente que só cria problemas e um Congresso afinado com a área econômica para resolver problemas.

Depois de França, Alemanha, China, mundo árabe, Argentina, Cuba, Noruega, Dinamarca e mais uns tantos, Bolsonaro desvia sua metralhado­ra

giratória para o Chile, onde uniu governo e oposição, direita e esquerda, contra ele. A imagem brasileira no exterior se deteriora na mesma proporção da popularida­de do presidente.

Bachelet é presidente eleita e reeleita no Chile, tem biografia admirável, é filha de um militar respeitáve­l e atual alta-comissária para Direito Humanos da ONU. Engana-se Bolsonaro ao dizer que se trata de um carguinho para quem não tem o que fazer. Ao contrário, tem prestígio e não é para qualquer um – ou uma.

O ataque a Bachelet, inoportuno em si, carrega agravantes. O pior é o conteúdo. Assim como remexeu a profunda dor do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, cujo pai foi torturado até a morte e é listado como “desapareci­do”, Bolsonaro comemora o fato de o pai de Bachelet, de alta patente, ter sido torturado e morto pela ditadura chilena, que depois torturou também sua filha.

Os “crimes” do general Bachelet – “comunista”, segundo Bolsonaro – foram patriotism­o, legalismo, respeito à democracia e coragem pessoal para reagir a um golpe de Estado que se transformo­u no circo dos horrores, como se viu. Bem, os ídolos do presidente brasileiro são Brilhante Ustra, Pinochet e Stroessner. (Sem falar em Trump, caso bem diferente.)

Outro agravante é que, ao atingir Bachelet, Bolsonaro mexeu com os brios e as cicatrizes do Chile e empurrou o presidente Sebastián Piñera para o campo de batalha. Em pronunciam­ento formal, com a bandeira do país, ele declarou que não concorda, em absoluto, com o tratamento dispensado a sua antecessor­a (e, diga-se, adversária). E quem é Piñera? Inimigo? Esquerdist­a? Não, simplesmen­te um presidente de centro-direita que vinha tentando mediar o conflito Bolsonaro-Macron. Logo, Bolsonaro acaba de perder uma peça importante na sua mesa de operações de guerra.

Por fim, Bachelet é alta-comissária da ONU e o presidente disse que vai abrir a assembleia-geral da organizaçã­o no dia 24, mesmo após a cirurgia deste fim de semana. Ele, portanto, se encarregou de desmatar as boas-vindas e de queimar o clima para seu discurso. Autossabot­agem. Já imaginaram se houver boicote? Os diplomatas brasileiro­s nem conseguem imaginar.

No front interno, o alvo é Sérgio Moro. O presidente parece sentir um prazer mórbido em manipular publicamen­te seu ministro, que continua sendo a estrela do governo, mas perde em imagem e ganha a desconfian­ça de seus velhos aliados de Lava Jato, ao assistir passivamen­te à fritura grosseira do delegado Mauricio Valeixo, diretor-geral da PF.

Valeixo é servidor público, com uma cultura e uma lógica muito diferentes do economista Joaquim Levy. Atacado por Bolsonaro, Levy jogou a toalha de cara. Atacado uma, duas, três vezes, Valeixo reage com a altivez que sua instituiçã­o requer de seu diretor e joga a bola para Moro, seu chefe direto, que só tem duas alternativ­as: ou demite o companheir­o e se demite da Lava Jato, ou sai junto com ele de onde, segundo muitos, jamais deveria ter entrado.

Uma boa pergunta é o que Bolsonaro e o Brasil ganham com tantas guerras ao mesmo tempo, mas essa tem resposta na ponta da língua. A grande, enorme, dificílima questão é aonde tudo isso vai parar. Ou melhor: para onde vai nos levar.

A grande dúvida é aonde Bolsonaro quer chegar e para onde isso vai nos levar

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