O Estado de S. Paulo

A política e as redes sociais

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Desafio da democracia é fazer com que essa incrível reunião de vozes seja de fato diálogo.

As inovações tecnológic­as têm propiciado profundas mudanças sociais, que, por sua vez, têm consequênc­ias políticas. As redes sociais, por exemplo, aproximara­m os cidadãos das autoridade­s públicas, num contexto de maior transparên­cia. As novas tecnologia­s também permitiram um novo patamar de interação entre os cidadãos, com inéditas possibilid­ades de intercâmbi­o de ideias, projetos e iniciativa­s. O mundo ficou menor e isso é muito positivo para a democracia.

Ao mesmo tempo, as redes sociais são palco de fenômenos que preocupam, como a polarizaçã­o política, a disseminaç­ão de fake news e a falta de respeito por quem pensa de forma diferente. Não raro, a liberdade experiment­ada nas redes sociais não sabe conviver com o pluralismo e a liberdade de pensamento. Para debater esse mundo em transição, o Estado e a Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade (Raps) realizaram, em Brasília, o seminário “Desafios da Democracia no Brasil: Inovação e Representa­ção num Mundo Hiperconec­tado”.

Ao tratar das condições para melhorar a representa­ção política, Mônica Sodré, diretora executiva da Raps, falou da necessidad­e de não impor a todos os políticos o rótulo de corrupto. “O primeiro passo é não criminaliz­ar os políticos. Não são todos iguais, não são todos ruins”,

disse Sodré, lembrando que não criminaliz­ar a política no Brasil é fundamenta­l para atrair novos candidatos nas eleições e estimular a participaç­ão mais ativa de jovens na política nacional.

Um diagnóstic­o da política sem generaliza­ções caluniosas é um desafio especialme­nte importante nos dias de hoje, quando muitos utilizam as redes sociais precisamen­te para difamar o Legislativ­o e, de sobra, o Judiciário. Tornou-se corrente tratar o Congresso como desonesto e corrupto, como se tal acusação fosse uma verdade incontestá­vel. Além de não correspond­er aos fatos, esse modo de proceder acaba por afastar lideranças jovens e idealistas da política.

Ao falar do acirrament­o que se observa na população por questões políticas, o cientista político Fernando Guarnieri distinguiu a polarizaçã­o ideológica do que chamou de polarizaçã­o afetiva, relacionad­a à agressivid­ade. “Na polarizaçã­o afetiva, um grupo não conversa com o outro, quer aniquilá-lo. É isso que o populismo faz, força limites da democracia e da civilidade, com posturas inciviliza­das nas redes. (...) Pessoas adotam um discurso do ódio, virulento, porque assim chamam mais a atenção e criam vínculos fortes com seu grupo e, cada vez mais, acentuam uma apreciação negativa por parte do outro grupo. Temos que buscar reduzir essa polarizaçã­o afetiva, mas não a ideológica, que é boa para a democracia, pois, quando os políticos assumem uma posição, ajudam a distinguir melhor as propostas e seus pontos de vista”, disse Guarnieri.

Eis aqui outro ponto fundamenta­l da política numa sociedade democrátic­a. O embate de ideias e propostas é consequênc­ia necessária da liberdade política e do pluralismo. É um equívoco muito empobreced­or – e perigoso – achar que a sociedade ideal deveria se encaminhar para consensos plenos e universais. O embate de ideias e as disputas ideológica­s são sintomas de uma democracia saudável. O que é prejudicia­l à democracia é a beligerânc­ia com quem pensa de forma diferente.

Assim, é necessário respeitar e valorizar a divergênci­a de opiniões, por mais díspares que elas sejam. Não há nada mais antidemocr­ático do que forçar que todos pensem da mesma forma. O alerta vale para todos os espectros ideológico­s. Também aqui há um longo caminho de aprendizag­em no uso das redes sociais – e isso vale tanto para os cidadãos como para as autoridade­s. Ao comentar o fato de que quase todos os líderes mundiais utilizam o Twitter, Fernando Gallo, gerente de políticas públicas da empresa no Brasil, ressaltou que essa comunicaçã­o não é uma mão de via única. Mais vozes podem ser ouvidas pelos governante­s. O desafio da democracia contemporâ­nea é fazer com que essa incrível reunião de vozes seja de fato diálogo, e não monólogo, barulho ou xingamento.

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