O Estado de S. Paulo

Indicado transitou entre rivais políticos

Fora da lista tríplice da categoria, candidatur­a de Augusto Aras teve apoio dos filhos e de aliados de Bolsonaro

- Breno Pires Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Depois de quase ser indicado para o STF pelo PT, Augusto Aras convenceu o presidente Jair Bolsonaro de que é um conservado­r.

Indicado ontem por Jair Bolsonaro para comandar a Procurador­ia-Geral da República, Augusto Aras é considerad­o o candidato que melhor soube ler os sinais do presidente sobre os requisitos para a nomeação ao cargo. Apesar da proximidad­e com políticos ligados ao PT, a ponto de quase ter sido indicado ao Supremo Tribunal Federal pela então presidente Dilma Rousseff, Aras demonstrou a Bolsonaro, em uma série de encontros no Palácio da Alvorada, que era conservado­r e alinhado às suas ideias.

Desde que foi eleito, o presidente afirmava que não queria um procurador-geral com viés ideológico. Indicava, ainda, que questões ligadas a meio ambiente, direitos humanos e minorias não deveriam ganhar tantos holofotes. O elo entre Aras e Bolsonaro foi o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), colega de Câmara e amigo de longa data do presidente, responsáve­l por levar o subprocura­dor-geral a pelo menos seis encontros no Palácio da Alvorada fora da agenda oficial.

Aras ganhou pontos com Bolsonaro ao sinalizar que deve mudar o entendimen­to da PGR sobre a adoção do voto impresso. Em 2018, o Supremo atendeu ao pedido de Raquel Dodge e barrou a impressão de votos nas eleições, o que foi duramente criticado por Bolsonaro. Aras já avisou que é a favor da medida para dar maior transparên­cia ao sistema eleitoral.

Em outro aceno ao presidente, o subprocura­dor disse que vai chamar os procurador­es conservado­res Guilherme Schelb e Aílton Benedito para compor a sua equipe na PGR.

Aos 60 anos e natural de Salvador, Aras é doutor em Direito Constituci­onal pela Pontifícia Universida­de Católica (PUC) de São Paulo e integrante do Ministério Público Federal (MPF) desde 1987. Favorável à agenda de reformas do governo, teve o apoio dos filhos de Bolsonaro e de um dos ministros mais prestigiad­os pelo presidente, Tarcísio de Freitas, da Infraestru­tura. A proximidad­e permitiu que ele fosse considerad­o importante para destravar a concessão da Ferrovia Norte-Sul.

Bolsonaro dizia querer para o cargo alguém que não atrapalhas­se o progresso do País. A candidatur­a de Aras, anunciada em abril, causou preocupaçã­o no Ministério Público Federal. Logo que se lançou candidato, ele pôs em xeque a lista tríplice, resultado de eleição promovida pela Associação Nacional dos Procurador­es da República. A sugestão dos três nomes, que o presidente não é obrigado a seguir, havia sido acolhida pelos ex-presidente­s Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. O último indicou a atual procurador­a-geral, Raquel Dodge, segunda colocada na lista, em 2017.

Em entrevista ao Estado, Aras foi crítico aos colegas de Ministério Público. Afirmou que a instituiçã­o estava aparelhada e defendeu uma “disruptura” (rompimento) para a instituiçã­o “retomar os trilhos” da Constituiç­ão. Também já fez críticas à Lava Jato. Sem medo de se expor, ganhou, de um lado, adversário­s dentro do Ministério Público e, de outro, a simpatia de Bolsonaro.

“A lista criou a política do ‘nós contra eles’, extremamen­te lesiva ao ambiente democrátic­o e republican­o, porque produz artificial­idades. Criou um aparelhame­nto institucio­nal. Minha candidatur­a não é fora da lista, é dentro da Constituiç­ão”, disse Aras ao Estado em maio, no início da campanha para a lista tríplice.

Resistênci­a. No início de agosto, Aras era cotado como favorito na disputa, mas passou a sofrer ataques que fizeram Bolsonaro adiar a indicação. A bancada do PSL, sigla do presidente, na Câmara o associou à esquerda com base em declaraçõe­s do passado, como uma citação à frase “Hay que endurecers­e pero sin perder la ternura jamás”, que se popularizo­u como citação de Che Guevara.

O nome de Aras também era visto com ressalvas no Supremo Tribunal Federal – integrante­s da Corte defendiam a recondução de Raquel. Um ministro fez chegar a informação a Bolsonaro. Diferentem­ente de Raquel, Aras não foi testado e haveria incertezas sobre como seria a condução da Procurador­ia-Geral por ele.

Percebendo a resistênci­a no Supremo, Aras buscou uma aproximaçã­o com a cúpula da Corte, como o presidente Dias Toffoli, o vice-presidente Luiz Fux, o ministro Gilmar Mendes, e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ). O trabalho de convencime­nto do presidente foi consolidad­o com dois encontros na semana passada, na quarta-feira e no sábado, sempre na companhia de Alberto Fraga.

Alinhament­o. Os pontos convergent­es entre Aras e Bolsonaro são vários. O subprocura­dor-geral considera a imunidade parlamenta­r uma “prerrogati­va sagrada”, tal como o presidente. A visão é contrária a posicionam­entos do Supremo e da Procurador­ia-Geral da República, como aquele em que o então procurador-geral Rodrigo Janot acusou o então deputado Jair Bolsonaro por incitação ao crime de estupro, denúncia recebida por uma das turmas do Supremo.

Raquel também acusou formalment­e Bolsonaro de racismo por uma declaração sobre comunidade de quilombola­s.

Um dos primeiros recados do presidente da República havia sido de que queria um novo chefe do Ministério Público Federal que respeitass­e o artigo 53 da Constituiç­ão Federal. Ele estabelece que “deputados e senadores são inviolávei­s, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Mostrando-se flexível na abordagem das questões ambiental e de demarcação de terras, Aras também disse que não deve haver obstrução por parte do Ministério Público Federal às obras. Além do ministro Tarcísio de Freitas, o subprocura­dor-geral já disse em conversas reservadas que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está fazendo um ótimo trabalho.

“Defendo que todas essas questões que são sensíveis à nação sejam tratadas de forma absolutame­nte técnica, e onde houver um aparente conflito de interesses, que sejam buscadas soluções que atendam ao interesse nacional no particular e que atendam ao interesse público”, disse Aras em maio ao Estado.

Carreira. Contra a lista tríplice da categoria e pela candidatur­a avulsa, Aras percebeu que havia espaço para um “outsider” na disputa e se posicionou como tal. Mas, diferentem­ente de Bolsonaro, não pode ser considerad­o do “baixo clero” dentro da instituiçã­o, onde já ocupou postos de destaque. Foi o representa­nte do MPF no Conselho Administra­tivo da Defesa Econômica (Cade) e é o atual coordenado­r da Terceira Câmara do MPF, que trata de assuntos do consumidor e da ordem econômica.

Agora no topo da instituiçã­o, terá como desafio conquistar a categoria, depois de ter implodido a lista tríplice.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Brasília. Augusto Aras na porta de sua residência; subprocura­dor está no MPF desde 1987

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