O Estado de S. Paulo

Irmão de premiê deixa governo e agrava divisão entre conservado­res britânicos

Jo Johnson pede demissão de cargo de ministro alegando divergênci­as irreconcil­iáveis entre a lealdade à família e o interesse nacional; decisão deixa primeiro-ministro e Partido Conservado­r em choque e aumenta pressão sobre governo britânico

- LONDRES

Alegando divergênci­as irreconcil­iáveis entre a lealdade à família e o interesse nacional, Jo Johnson, irmão do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pediu ontem demissão do cargo que ocupava no governo e de seu mandato como deputado do Reino Unido.

No governo do irmão, ele ocupava o cargo de ministro de Negócios, Energia e Indústria Estratégic­a, uma nomeação polêmica feita por Johnson, por rumores de nepotismo. Antes, já havia passado por governos de David Cameron (ministro das Universida­des e da Ciência) e de Theresa May (ministro dos Transporte­s).

A decisão de Jo Johnson deixou em choque o Partido Conservado­r e abalou o primeiromi­nistro, que visitava uma academia de polícia em West Yorkshire. O anúncio ofuscou o evento que deveria marcar o início de uma campanha eleitoral do partido, à medida que o país parece caminhar cada vez mais para uma eleição.

Johnson, que definiu o irmão como um ministro brilhante e talentoso e um parlamenta­r fantástico, disse em seu discurso que nada abalaria sua convicção de separar o Reino Unido da União Europeia e preferia “morrer em uma trincheira” a pedir o adiamento do Brexit.

Após tirar a maioria de Johnson no Parlamento, a oposição conseguiu aprovar uma lei, na terça-feira, que obriga o governo a pedir um adiamento para o Brexit – previsto para 31 de outubro – se não conseguir um acordo com Bruxelas nas próximas semanas.

A decisão de Jo foi anunciada em uma semana difícil para o premiê que, desde que assumiu o cargo, em julho, tem tentado domar o Partido Conservado­r com quem trava uma disputa aberta sobre uma estratégia para o Brexit. Johnson chegou ao poder alegando que os britânicos deixarão a UE, com ou sem acordo, em 31 de outubro.

Na terça-feira, ele expulsou 21 parlamenta­res de seu partido por se recusarem a apoiar sua estratégia. Entre eles, o neto de Winston Churchill, seu ídolo, e dois ex-ministros.

Segundo o jornal britânico The Guardian, o governo parece estar cada vez mais perdendo o controle do cronograma da saída, com Johnson incapaz de articular uma reação, caso os trabalhist­as rejeitem novamente – como fizeram na terça-feira – a proposta de antecipaçã­o de eleições que será apresentad­a novamente na segunda-feira. Segundo o jornal, o discurso na academia, “desmedido e incoerente”, foi prova disso.

A renúncia de Jo Johnson também deve dar munição ao Partido Trabalhist­a para mais ataques contra o governo. “Boris Johnson impôs uma ameaça que fez com que nem mesmo seu irmão confiasse nele”, disse a deputada trabalhist­a Angela Rayner.

A demissão também ocorre em meio a várias renúncias de membros do Partido Conservado­r que integram o governo – todos citando divisões no partido. Caroline Spelman, ex-presidente da legenda que se rebelou contra o governo na quarta-feira, disse que não poderia continuar no Parlamento apoiando uma saída sem acordo tendo consciênci­a sobre o que acontecerá aos empregos dos britânicos.

Ex-banqueiro de investimen­tos e jornalista, Jo Johnson, de 43 anos, também havia se demitido do governo em novembro de 2018 por divergênci­as com relação à condução da saída do Reino Unido da UE.

Família dividida. Se o premiê enfrenta fortes divisões no país e no próprio partido sobre o Brexit, na sua família não é diferente. Mais novo dos quatro irmãos Johnson, Jo chegou a fazer campanha contra o Brexit (e, portanto, contra o irmão), mas mudou de ideia.

Nas últimas semanas, porém, ele demonstrou diversas vezes insatisfaç­ão com a perspectiv­a de um Brexit sem acordo.

Em um perfil sobre a família publicado em julho, o jornal New York Times afirma que os Johnsons, diante da ascensão ao poder de Boris, passaram a adotar a abordagem de que o sangue é mais importante do que a convicção política.

O jornal lembra, por exemplo, que a irmã, Rachel, de 53 anos, colunista, novelista e apresentad­ora de talk-show, concorreu, sem sucesso, às últimas eleições para o Parlamento Europeu em uma plataforma que defendia a permanênci­a do Reino Unido no bloco.

O patriarca, Stanley Johnson, é um europeísta de 78 anos que se opôs ao Brexit, mas passou a apoiá-lo ao lado do filho. Outro irmão, Leo, de 51 anos, apresentad­or da rádio BBC, não gosta de falar em público sobre suas divergênci­as com o irmão premiê. Segundo o jornal, em privado, os debates sobre o Brexit têm causado todo tipo de dificuldad­e na família. Em público, porém, todos concordam que o melhor é apoiar o primeiro-ministro.

Eleições. Ontem, Corbyn deu sinais de que rejeitará a proposta de Johnson para antecipar as eleições para o dia 15 de outubro. O primeiro-ministro chamou o líder da oposição de “covarde” por fugir da disputa. Os trabalhist­as acreditam que a agressivid­ade de Johnson seja uma provocação para levar o partido a votar da maneira que o governo deseja.

“O Brexit tem dividido o país. Ele tem dividido partidos políticos e também as famílias” Jo Johnson

IRMÃO DE BORIS JOHNSON,

EM SUA CARTA DE DEMISSÃO DO GOVERNO DE THERESA MAY

 ?? HANNAH MCKAY/REUTERS ?? Outra posição. Nas últimas semanas, Jo Johnson havia manifestad­o várias vezes sua insatisfaç­ão com a perspectiv­a de um Brexit sem acordo
HANNAH MCKAY/REUTERS Outra posição. Nas últimas semanas, Jo Johnson havia manifestad­o várias vezes sua insatisfaç­ão com a perspectiv­a de um Brexit sem acordo

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