Partido Conservador vira insurgência radical
Após assumir governo, Johnson passou a atacar instituições e expulsou deputados que se opuseram a ele
Se você imaginar um parlamentar conservador, Philip Hammond pode vir a sua mente. O ex-chanceler é alto, grisalho e tem um senso de humor que combina com sua política fiscal: um senso de humor ultrasseco. Se não for ele, talvez você prefira alguém do feitio de Kenneth Clarke. O rotundo fumante de charuto e entusiasta de jazz ocupou altos postos em praticamente todos os governos, em 49 anos de carreira parlamentar com os conservadores. Se não forem esses, pense em Nicholas Soames, um ex-ministro de Defesa. Ele tem um perfil churchilliano, em grande parte porque Winston Churchill era seu avô. Os três representam o Partido Conservador de diferentes maneiras. Mas nenhum deles está mais na legenda.
Eles estão entre 21 parlamentares conservadores impedidos de concorrer novamente pelo partido por apoiarem um plano para fazer o premiê Boris Johnson buscar um adiamento para a saída do Reino Unido da União Europeia em 31 de outubro. O expurgo é apenas a parte mais visível de uma revolução que está transformando o mais antigo partido político do mundo.
Os que defendem prudência fiscal, liberalismo social e uma saída ordeira da UE foram derrotados. Já os que exigem uma e liberdade de gastos total e uma solução do tipo “sair do jugo de Bruxelas ou morrer”, estão por cima. O blog de ativistas ConservativeHome previu nesta semana “o fim do Partido Conservador que conhecemos”.
A revolução vem requerendo flexibilidade ideológica dos que querem sobreviver a ela. Quatro dos cinco autores do Brittania Unchainded, um hino ao governo mínimo publicado por jovens e ambiciosos parlamentares conservadores em 2012, quando a austeridade fiscal estava na moda, hoje confrontam-se
com a intenção do gabinete de abrir a torneira de gastos. Uma rodada de gastos públicos do dia 4 incluiu medidas que aumentarão o tamanho do Estado em relação ao PIB pela primeira vez de 2010. O chefe do Tesouro é fã da filósofa Ayn Rand e mantém retratos de Margaret Thatcher em seu escritório. Mas, seguindo instruções de Johnson, anunciou doações eleitorais de quase US$ 17 bilhões, pagas com novos empréstimos.
Também há novas ideias sobre lei e ordem. Serão contratados mais 20 mil policiais e espera-se uma revisão das penas de prisão, consideradas brandas demais. Priti Patel, que defendeu o fechamento da imigração e apoiou a volta da pena capital, hoje é secretário do Interior. Mas alguns conservadores acham que isso ainda está longe de representar o que Johnson tem em estoque. A nova agenda doméstica conservadora já foi descrita como “dinheiro para o sistema nacional de saúde e forca para os pedófilos”.
A linha mais dura está com o Brexit. Parlamentares conservadores avaliam que devem tirar o Reino Unido da UE se quiserem manter suas cadeiras. Mas a abordagem de Johnson, que parece destinada a terminar numa saída sem acordo, está deixando inquieta uma silenciosa maioria parlamentar. Os que defendem a saída sem acordo são apenas uma pequena fração da bancada conservadora. Um membro do gabinete que fez campanha entusiasticamente pelo Brexit
admite que a saída sem acordo seria uma catástrofe. Mas, por outro lado, muitos parlamentares estão ansiosos para mostrar serviço a Johnson, em parte porque o premiê parece determinado a ir em frente. “Eles podem não concordar, mas estão seguirão no rumo”, diz um membro do conselho de ministros.
Quem traça o rumo é Dominic Cummings, principal conselheiro do premiê. Quando estava em campanha, Johnson prometeu um estilo inclusivo de governo. Na verdade, passou a sacudir as instituições do país, suspendendo o Parlamento pelo mais longo período desde 1945 para reduzir o tempo que os
Os que defendem prudência fiscal, liberalismo social e uma saída ordeira da UE foram derrotados
parlamentares teriam para discutir o Brexit. Táticas até agora inimagináveis, como a de pedir à rainha para vetar qualquer lei contra o “sem acordo”, hoje são discutidas abertamente. “Este governo conservador não parece muito conservador, fiscal ou institucionalmente”, disse Ryan Shorthouse, do Bright Blue, um centro de estudos liberal conservador.
A técnica de mão dura está em gritante contraste com os dias em que David Cameron chefiava o partido e os rebeldes eurocéticos agiam livremente. Com Johnson, tal sedição é inaceitável, como
ele pretendeu demonstrar com o expurgo. Figuras do Vote Leave (vote pela saída), principal grupo em campanha por trás do Brexit, estão ganhando força em Downing Street, o que leva antigos parlamentares conservadores a se manifestar sobre a situação. “No coração de Downing Street, o principal conselheiro do premiê é um imbecil boca-suja que não foi eleito”, disse Roger Gale, parlamentar desde 1983. O grupo One Nation, de cem parlamentares conservadores moderados, pediu a Johnson que devolva os direitos a seus colegas punidos.
Mas, apesar da fúria, a estratégia de Cummings segue quase intacta. O premiê quer ser retratado como o paladino de um povo desafiado por políticos espertalhões, com a promessa de um tsunami de dinheiro a ser despejado sobre os serviços públicos britânicos se as pessoas votarem nos conservadores. “Este país precisa de um governo conservador sensível, moderado e progressista”, disse um empolgado Johnson na quarta-feira. Mas, ao que parece, com o Partido Conservador em seu atual estado o Reino Unido terá de esperar. /