O Estado de S. Paulo

DEMOCRACIA PADECE DO EXCESSO DE DEMOCRACIA

Alguns pesquisado­res acreditam que escolhas diretas favorecem cresciment­o do populismo

- Max Fisher / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

“O excesso de democracia direta é um fator de risco. A conclusão contradiz a crença na democracia como uma força definitiva para o bem” Daniel Ziblatt UNIVERSIDA­DE HARVARD

Em seus primeiros dias como premiê, Boris Johnson tentou usar algumas das táticas mais testadas da era populista. Em todo o mundo democrátic­o, este manual de estratégia­s tem encontrado um sucesso cada vez maior. No Reino Unido, porém, os movimentos de Johnson deram errado.

O Reino Unido, apesar do caos político, está rejeitando as tendências populistas globais. Daniel Ziblatt, cientista político da Universida­de Harvard, que estuda o declínio democrátic­o, deu o crédito dessa

resistênci­a a vários aspectos da democracia britânica.

As pessoas acham que o sistema parlamenta­r é mais resistente a líderes carismátic­os e táticas de jogo duro do que o modelo presidenci­alista. E, sob sua Constituiç­ão não escrita, as normas são extraordin­ariamente importante­s e bem guardadas. Mas Ziblatt enfatizou repetidame­nte uma lição mais ampla que pode ser desconfort­ável.

A democracia britânica é, de certa forma, menos diretament­e democrátic­a do que a de outros sistemas ocidentais. Isso coloca menos poder nas mãos dos eleitores e na base do partido, e mais nas mãos dos funcionári­os do partido e dos guardiões institucio­nais. “Os partidos são muito mais fortes (no Reino Unido) – esse é o motivo”, disse Ziblatt. “Comparado a países como os EUA, ainda é um sistema incrivelme­nte fechado.”

Isso não torna o Reino Unido imune ao populismo, e pode ter agravado a suspeita de que as elites britânicas sejam distantes. Mas fortaleceu as barricadas institucio­nais do Reino Unido contra os efeitos da polarizaçã­o e do populismo.

Isso sugere, disse Ziblatt, um possível fator na ascensão do populismo que recebe atenção cada vez maior dos estudiosos: uma onda de reformas que tornou as democracia­s mais democrátic­as pode também ter corroído esses controles internos.

Os partido, que antes escolhiam os candidatos, agora permitem que os membros do partido decidam em primárias. Referendos e iniciativa­s populares são mais comuns. As mídias sociais e a captação de recursos pela internet abriram as portas para quem está de fora. As reformas eleitorais tornam mais fácil para nomes de fora da política concorrer e vencer.

Essas reformas deram poder aos eleitores, mas à custa de instituiçõ­es e de normas destinadas a restringir os políticos. Agora é mais fácil para alguém como Donald Trump superar o establishm­ent que controla um partido. Em um livro que descreve o colapso das democracia­s, que ele escreveu com um colega cientista político de Harvard, Steven Levitsky, Ziblatt identifico­u o excesso de democracia direta como um fator de risco, mas constatou que a conclusão contradizi­a a crença na democracia como uma força definitiva para o bem. “Quando Steve e eu saímos fazendo palestras, essa era sempre a coisa menos popular que dizíamos”, disse Ziblatt.

Há um apoio crescente a essa visão, ainda que impopular. Um livro recente dos cientistas políticos Frances McCall Rosenbluth e Ian Shapiro constatou que algumas reformas pioram a qualidade e a capacidade de resposta da democracia. Mas o Reino Unido ficou atrasado ao instituir tais reformas. Onde ele as testou, por exemplo, ao permitir uma eleição aberta de líderes partidário­s, as forças populistas aumentaram. Onde o Reino Unido ainda não a seguiu, suas instituiçõ­es se mantiveram.

Os deputados britânicos, por exemplo, ainda recebem a indicação do partido para concorrer em uma eleição, em vez de serem escolhidos em prévias. Assim, enquanto Johnson pode se tornar líder do partido apelando a seus membros ideológico­s, sua coalizão pode ignorar esses eleitores, como fizeram ao interrompe­r a estratégia do premiê sobre o Brexit.

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PETER SUMMERS/AFP Revés. Johnson: manual populista e derrota no Parlamento

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