Zika infecta cérebro de adulto, diz estudo
Pesquisa da UFRJ ameaçada por cortes demonstrou efeito do vírus a longo prazo
O vírus da zika é capaz de infectar o tecido cerebral de adultos – e não apenas de fetos como se acreditava. Feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um novo estudo explica complicações neurológicas apresentadas por adultos durante o surto da doença em 2015. Alguns pacientes apresentaram confusão mental, perda de memória e dificuldades motoras.
O trabalho foi publicado ontem na revista científica Nature
Communications. A descoberta revela que a infecção pode ter sérios desdobramentos, ainda desconhecidos, a longo prazo. Cortes de bolsas de pesquisa, no entanto, devem interromper a sequência do estudo, segundo os cientistas envolvidos.
Pesquisadores do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho infectaram com o vírus da zika amostras de tecido cerebral de adultos humanos. Para surpresa do grupo, o vírus se mostrou capaz de infectar neurônios e se multiplicar. “Para tentar entender implicações disso, passamos a usar camundongos”, disse Sérgio Teixeira Ferreira, um dos coordenadores.
“Constatamos que a reação inflamatória disparada no cérebro dos animais permanece muito depois de o vírus não estar mais presente. A inflamação provoca ainda a degeneração das sinapses (responsáveis pela ligação entre os neurônios), interrompendo a comunicação.”
Estudos feitos até hoje tinham comprovado que o vírus contraído por mulheres grávidas tinha causado má-formação do cérebro dos fetos. “Achávamos que o vírus infectava apenas os chamados precursores neuronais e os neurônios imaturos dos embriões em desenvolvimento”, disse Ferreira. “Agora constatamos que ele afeta também os tecidos adultos.”
Para o pesquisador, é necessário que a pesquisa tenha continuidade e os adultos que apresentaram sequelas neurológicas sejam acompanhados. “Os bebês que nasceram com microcefalia estão sendo acompanhados, mas não sabemos o que aconteceu com os adultos”, disse o cientista. “Seria muito importante acompanhar também os adultos, investigar as consequências neurológicas.”
Outra descoberta do estudo foi a de que um medicamento anti-inflamatório atualmente usado no tratamento da artrite reumatoide pode amenizar problemas neurológicos causados pelo vírus. Os cientistas acreditam que os achados podem contribuir para estabelecer políticas públicas de tratamento e desenvolver novas terapias.
Recursos. A neurocientista Cláudia Pinto Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, que também coordenou a pesquisa, teme pelo futuro do estudo diante dos cortes das bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Com o corte dessas bolsas, ocorre uma paralisação de toda a ciência e tecnologia.”
A pesquisadora Fernanda Aragão, aluna do doutorado, que participou do estudo, já sabe que não conseguirá renovar o auxílio. “Eu tenho bolsa de doutorado até fevereiro, quando me formo”, explicou. “Mas não há previsão de novas indicações para bolsistas nas principais agências de fomento do Brasil. Então, não tenho perspectiva de conseguir uma bolsa de pósdoutorado. Eu apliquei para editais que foram suspensos. Ou seja, não poderei continuar pesquisando.”
“Além da questão das bolsas”, ressalta Ferreira, “há uma redução dramática do financiamento às pesquisas; recursos para projetos já aprovados não vêm sendo pagos”. Para o cientista, a situação é gravíssima. “Esse estudo foi iniciado em 2016, mas, posso dizer que, se estivesse sendo iniciado hoje, não teríamos condições de concluir o trabalho.”
“Não há postos de pesquisadores, só de professores. Quem ocupa postos de pesquisador são os alunos de mestrado, doutorado, pós-doutorado.” Cláudia Pinto Figueiredo NEUROCIENTISTA DA UFRJ