Retrato em preto e branco do Ipiranga
Fotos realçam detalhes de marco histórico; restauro do museu começa hoje
Com uma câmera Rolleiflex dos anos 1950, o fotógrafo do ‘Estado’ Tiago Queiroz flagrou a rotina do Parque da Independência; reforma do museu começa hoje.
Das memórias que tenho de meu avô, uma das mais remotas é de um passeio que a gente fez pelo Museu do Ipiranga e seu parque. A lembrança é mais vívida graças a uma foto feita por ele, um retrato com sua velha câmera de filme Pentax Spotmatic, em que apareço em pé nas escadarias do museu. Anos depois, a mesma Pentax serviu para despertar em mim a paixão que já dura algumas décadas: a fotografia. Mas isso é outra história...
Nos primeiros anos escolares, o museu foi palco de animadas excursões. Tudo era superlativo por lá. Gigantesco mesmo. O museu tinha um certo ar de mistério, de filme de aventura, de capa e espada... Não sei se existia mesmo, ou se minha memória me trai, mas me lembro de uma carruagem e uma armadura em determinada sala que eram verdadeira sensação entre as crianças. Ah, e o quadro de Pedro Américo simbolizando a Independência do Brasil
era uma coisa assombrosa para um menino.
Meses atrás, voltei para uma caminhada. Lá, senti a necessidade de realizar um ensaio fotográfico sobre a vida que ainda existe naquele lugar. O museu em si está fechado desde 2013. As obras de restauro e ampliação começam hoje. A previsão é de que reabra para a comemoração do bicentenário da Independência, em 2022. O governador João Doria (PSDB) chegou a declarar que terá a mesma vocação turística que o Louvre, em Paris. Bom, enquanto isso não acontece, os jardins e o monumento continuam abertos, acolhendo os que passeiam por lá.
Utilizei nessas caminhadas fotográficas uma velha Rolleiflex, curiosamente mais antiga que a Pentax de meu avô. A “Rollei” é uma câmera dos anos 1950, dotada de um formato maior que as 35 mm e que as atuais câmeras digitais.
São apenas 12 chapas por filme, que são caros e raros hoje. Ou seja, o fotógrafo precisa estar atento e presente cem por cento no instante do clique. Todas as imagens deste ensaio são únicas. Escolhia o instante, prendia a respiração e clicava – com máquina digital por vezes disparamos dezenas de frames para a mesma cena.
O aparelho chamou a atenção dos fotografados – que em geral acharam interessante serem retratados por uma máquina sessentona. Difícil foi explicar para os mais novos que não era possível mostrar as fotos, que era necessário revelar e ampliar as imagens antes...
E foram muitas as cenas e personagens que vi por lá, gente banhando-se de sol nos domingos mais quentes, os skatistas que utilizam todo e qualquer obstáculo para manobras radicais, os donos de cachorros com seus adoráveis companheiros etc.
Robert Doisneau, célebre fotógrafo francês, dizia que gostava de fotografar com a Rolleiflex porque, pelo formato do visor, o fotógrafo precisava se curvar ao assunto, ao retratado, prestando certa reverência, um certo sentido de respeito e admiração inerentes ao gesto. Faço minhas as palavras desse importante retratista, meu carinho e admiração por esse importante território e por todas as pessoas fotografadas.