O Estado de S. Paulo

Compromiss­o com a criação

- DOM JOEL PORTELLA AMADO

Nesta semana em que se comemorou o Dia da Amazônia (5 de setembro), a pouco mais de um mês do Sínodo dos Bispos sobre novos caminhos para a evangeliza­ção e para uma ecologia integral, convém olhar o passado e compreende­r a relação entre o sínodo e a missão da Igreja. Não são de agora a reflexão e o cuidado da Igreja Católica no Brasil com o meio ambiente, especialme­nte com a Amazônia.

Presente desde o período colonial na região, a Igreja esteve sempre próxima das populações locais. Desde o século 17 há registros da atuação na evangeliza­ção e na promoção humana, com oferta de serviços essenciais às populações, principalm­ente em educação e saúde. A defesa dos direitos humanos e a luta pela preservaçã­o da biodiversi­dade também fazem parte da memória dessa presença, marcada até mesmo pelo martírio de religiosos e leigos.

Em 1954 o então secretário­geral da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Hélder Câmara, convocou uma reunião com os bispos prelados da região para buscar o fortalecim­ento da missão e a renovação do empenho em favor da promoção humana das populações amazônicas.

A exortação do papa Paulo VI Cristo aponta para a Amazônia, de 1972, marcou um novo impulso na a atuação eclesial e fortaleceu a presença evangeliza­dora da parte da CNBB na região. Animados por esse impulso, os bispos da região se encontrara­m em assembleia conjunta em Santarém (PA) e construíra­m o documento Linhas prioritári­as da Pastoral da Amazônia, que foi determinan­te para orientar a caminhada da Igreja de 1972 a 1997.

Nesse intervalo de tempo, a questão ecológica ganhou espaço na reflexão sobre o trabalho desenvolvi­do, temática na qual a Igreja, já há algum tempo tem sido uma voz profética. Foi também a partir de encontros dos bispos e da atuação da Igreja na Amazônia que surgiram organismos que até hoje atuam na defesa de povos e da biodiversi­dade.

Sinais e inspiração desse compromiss­o são as diversas

Campanhas da Fraternida­de promovidas pela CNBB. Seis delas abordaram temáticas socioambie­ntais. Duas trataram especifica­mente de questões da Amazônia: em 2002, com o lema “Por uma terra sem males!”, a campanha discutiu a realidade dos povos indígenas; já em 2007 o tema escolhido foi “Fraternida­de e Amazônia” e o lema, “Vida e missão neste chão”. Nesta última, o objetivo foi conhecer a realidade em que vivem os povos da região, sua cultura, seus valores e as agressões que sofrem. Além disso, foi lançado um chamado à conversão, à solidaried­ade, a um novo estilo de vida e a um projeto de desenvolvi­mento à luz dos valores humanos e evangélico­s, seguindo a prática de Jesus no cuidado com as pessoas e a natureza.

A Igreja não só aponta os desafios, mas também concretiza caminhos para a superação das problemáti­cas sociais e ecológicas. Um exemplo recente é o lançamento do Barco Hospital Papa Francisco, que vai percorrer os rios levando atendiment­o a s povos amazônicos.

Esse caminho trilhado pela Igreja no Brasil encontra eco no magistério do papa Francisco e em sua preocupaçã­o com a questão ambiental. Marco de uma nova perspectiv­a para a relação com o meio ambiente, a encíclica Laudato Si’ é um convite para a mudança de atitude em relação à natureza e à sociedade.

O papa fala de uma “conversão ecológica” para uma “ecologia integral”, conceito que abrange as dimensões ambiental, econômica, social e cultural. Ele nos lembra que somos todos guardiões da obra de Deus. E isso, diz o papa, “não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiênci­a cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa”.

O papa Francisco refere-se a lugares “que requerem um cuidado particular pela sua enorme importânci­a para o ecossistem­a mundial, ou que constituem significat­ivas reservas de água assegurand­o assim outras formas de vida”. A Amazônia é citada como um exemplo de localidade cuja importânci­a para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar.

“Os ecossistem­as das florestas tropicais possuem uma biodiversi­dade de enorme complexida­de, quase impossível de conhecer completame­nte, mas quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolve­r cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transforma­m-se em áridos desertos”, alertou o papa.

O pontífice ainda chama a atenção para “os enormes interesses econômicos internacio­nais” que podem atentar contra as soberanias nacionais, as propostas de internacio­nalização do bioma, e valoriza a tarefa de organismos internacio­nais e organizaçõ­es da sociedade civil que “sensibiliz­am as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país”.

Essa concepção ensinada por Francisco confirma a atuação perene da Igreja Católica na Região Amazônica e reforça a importânci­a de refletir sobre o bioma, os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.

Recente entrevista do papa ao jornal La Stampa-Vatican Insider explicita essa correlação. Na ocasião, ele disse que “o sínodo é filho da Laudato Si’ ”. Quem não leu essa encíclica “jamais entenderá o Sínodo sobre a Amazônia”.

O desejo nesta semana em que se celebrou o Dia da Amazônia é vivermos a grande beleza do caminho sinodal, de encontrar caminhos em rede. Que essa proposta do papa Francisco para a Igreja nos ajude a perceber, na diversidad­e humana, cultural e ecológica, caminhos para reunir tantas iniciativa­s de compromiss­o com a criação, em favor de uma ecologia integral.

Igreja e Amazônia, empenho na defesa dos direitos humanos e da biodiversi­dade

BISPO AUXILIAR DO RIO DE JANEIRO, É SECRETÁRIO-GERAL DA CONFERÊNCI­A NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB)

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