Tecnologia e humanidade na saúde
Com vistas aos desafios e oportunidades que se abrem para a saúde na era digital, a edição de 2019 do Estadão Summit Saúde reuniu médicos, gestores e demais profissionais da área para debater questões como a telemedicina, o emprego da tecnologia para tornar o sistema de saúde mais equitativo, e os riscos envolvidos na adoção de técnicas invasivas. Foram debates particularmente oportunos, não só pelo volume de tecnologias que vêm inundando a medicina nos últimos anos, mas porque o Conselho Federal de Medicina está em pleno processo de confecção de um regulamento para a telemedicina, ou seja, o atendimento a distância, mediado por tecnologias de comunicação. A Resolução 2.227/18 chegou a ser publicada em fevereiro, mas logo foi revogada por pressão de entidades ligadas à saúde que, considerando-a pouco amadurecida, solicitaram uma nova rodada de consultas públicas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, “tornou-se cada vez mais claro que a universalização da cobertura em saúde não pode ser conquistada sem o suporte da saúde digital”. Entre os benefícios evidentes da telemedicina estão a possibilidade de atendimento e monitoramento de pacientes a distância, assim como a cooperação entre médicos em diagnósticos, consultas e cirurgias, ou o desenvolvimento de
bancos de dados integrados. Ao mesmo tempo, há a necessidade de estabelecer novos marcos legais para questões como a responsabilidade dos médicos que interagem a distância ou o sigilo dos dados dos pacientes.
Um dos consensos entre os debatedores do Summit é que algumas das transformações mais importantes não dependem tanto de vultosos recursos ou maquinários, mas sobretudo de inteligência logística capaz de utilizar as ferramentas de comunicação para integrar clínicas, postos de saúde, laboratórios e hospitais ou instâncias como o poder público, a iniciativa privada e a academia. Essa integração passa por soluções que exigem empenho e coordenação, mas que são relativamente simples. A digitalização dos prontuários, por exemplo, pode evitar muito retrabalho nos serviços de saúde, uma vez que o profissional que estiver atendendo pela primeira vez um paciente pode ter acesso imediato a seu histórico clínico. Além disso, ela permite alimentar bancos de dados a partir dos quais os médicos e gestores, amparados por algoritmos, podem otimizar procedimentos, desenhar políticas públicas mais precisas e eficazes e reduzir custos.
A integração entre a natureza humana (a estrutura biopsíquica) e a criação humana (a tecnologia) é um caminho irreversível e desejável, mas envolve desafios morais. Na falta de uma hierarquia de valores entre o que é essencial e o que é complementar – entre o corpo e a prótese, o orgânico e o sintético, a inteligência real e a artificial –, é fácil imaginar os cenários de deformação e desintegração do ser humano projetados pela ficção científica. Neste sentido, o Summit concentrou esforços na discussão da humanização da saúde. Um exemplo é o uso da tecnologia para otimizar a medicina preventiva e o atendimento primário. Hospitais de ponta têm implementado programas nessa área com bons resultados. Investindo em prevenção no seu quadro de funcionários, o Hospital Albert Einstein conseguiu reduzir em 20% a busca por consultas médicas e internações. Na mesma linha, o programa Regula+Brasil, iniciado em 2018 pelo Ministério da Saúde em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, conseguiu reduzir as filas de espera para consultas e exames em casos graves de 163 dias para 6. Também tem se dado especial atenção à qualidade da interação entre médico e paciente. Muitas escolas, hospitais e profissionais de saúde vêm buscando revalorizar princípios básicos da profissão, como a comunicação e a empatia com o paciente.
O que restou claro do encontro é que a tecnologia na saúde é bem empregada quando reduz a distância entre o médico e o paciente – entre o ser humano que cura e aquele que é curado. Todo passo nessa direção é um passo no caminho certo.