Após nova derrota de Johnson, Europa se prepara para Brexit sem acordo
Câmara dos Lordes ratifica decisão dos deputados e obriga premiê britânico a pedir adiamento do prazo de saída; pessimistas, países europeus intensificam planos de contingência caso o Reino Unido deixe o mercado comum de maneira radical
A Câmara dos Lordes aprovou ontem a proposta que obriga o premiê britânico, Boris Johnson, a pedir o adiamento do Brexit. Aprovado pela Câmara dos Comuns, na quarta-feira, o texto receberá aval da rainha Elizabeth II, no início da semana, e se tornará lei. Enquanto Londres tenta desatar o nó dado pelo Brexit, a Europa intensifica a preparação para o impacto da saída do Reino Unido, em 31 de outubro.
O clima na Europa é de pessimismo com as derrotas de Johnson. Ontem, Antti Rinne, primeiro-ministro da Finlândia, que preside a União Europeia, disse que “não parece possível” mais alcançar um acordo até o fim de outubro em razão do “caos político no Reino Unido”. Por isso, Bruxelas age com cautela.
A UE não quer passar a imagem do carrasco que empurrou o Reino Unido para o abismo. Ao mesmo tempo, o bloco já se prepara para o impacto de um Brexit sem acordo. Um dos países que mais se planejaram foi a Irlanda, de longe o que será mais afetado.
Nos últimos três anos, o governo irlandês vem aprimorando um plano para manter mercadorias fluindo pelos portos de entrada, evitando atrasos. “Temos de nos preparar para o pior”, disse Heather Humphreys, ministra do Comércio. As obras no Porto de Dublin incluem a construção de pontos de inspeção, ampliação do estacionamento para caminhões e contratação de pessoal.
Mesmo com o plano de contingência, aprovado em julho, governo estima que um Brexit sem acordo custe 55 mil empregos na Irlanda nos dois anos seguintes. A prioridade do premiê, Leo Varadkar, é manter a fronteira com Irlanda do Norte aberta, para amenizar os prejuízos.
A Guinness, por exemplo, cerveja que é ícone nacional, é fabricado em Dublin, engarrafada em Belfast, enviada de volta para distribuição e parte dela volta para a Irlanda do Norte, de onde é exportada para o Reino Unido. O mesmo caminho faz o leite, enviado e encaminhado para processamento e venda em ambos os territórios.
Da mesma forma, o comércio fluido se aplica a gado, porcos e ovelhas. Os agricultores do norte costumam vender animais para
abate no sul e a carne é frequentemente enviada de volta para a Irlanda do Norte ou para o Reino Unido. “Seremos mais atingidos pelo Brexit sem acordo do que os britânicos”, disse Dan O’Brien, economista do Instituto de Assuntos Internacionais e Europeus.
Quem também está pronta para o pior cenário é a Alemanha. Olaf Scholz, ministro das Finanças, disse que a preparação está “quase completa”, com 900 novos funcionários de aduana contratados, 620 já trabalhando nos aeroportos de Leipzig, Frankfurt, Colônia e Munique, e no Porto de Hamburgo.
Mesmo assim, o Brexit sem acordo terá um impacto grande em uma economia já à beira da
recessão. O Reino Unido é o maior mercado para os carros da Alemanha e um dos principais fornecedores de peças.
A indústria automobilística, espinha dorsal das exportações alemãs, é fundada em uma complexa cadeia logística na qual partes de carros circulam livremente pelo mercado europeu, o que a torna mais vulnerável ao Brexit. Por isso, a BMW tirou de West Midlands sua fábrica de motores. A farmacêutica Bayer decidiu construir depósitos no Reino Unido para estocar medicamentos.
Outro problema é decidir o que fazer com os 4 milhões de caminhões que cruzam por ano o Canal da Mancha, entre França e Inglaterra. O governo francês
anunciou que promoverá em breve um mês de testes, uma espécie de ensaio geral para um Brexit sem acordo. “Por um mês, vamos agir com se houvesse Brexit”, disse Gérald Darmanin, ministro encarregado do orçamento.
O governo pretende gastar ¤ 50 milhões (R$ 225 milhões) na expansão da infraestrutura aduaneira, em um novo sistema de TI para facilitar a checagem de carga e na contratação de 700 funcionários até 2020 – 185 já está trabalhando.
Na França, o fantasma do Brexit sem acordo já afeta os produtores de vinho, que optaram por segurar novos investimentos, e os pescadores franceses, que deverão perder acesso às águas britânicas.
O governo estuda ainda usar o fundo europeu reservado para desastres naturais na recuperação dos setores produtivos mais afetados.
A Holanda também intensificou os preparativos para um Brexit sem acordo. O governo do premiê Mark Rutte contratou 900 agentes de aduana e 145 veterinários para trabalhar em inspeções sanitárias no Porto de Roterdã. O aeroporto de Schiphol terá um reforço de 100 funcionários para fazer o controle dos 10,5 milhões de passageiros que circulam anualmente entre os dois países.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as exportações holandesas para o Reino Unido cairão 17% em caso de Brexit sem acordo, afetando principalmente o fluxo de ¤ 1,2 bilhão em frutas e vegetais que são levados para o Reino Unido por 50 mil caminhões todos os anos.
Alguns membros da UE, no entanto, embora acompanhem o drama de perto, estão menos preocupados com o Brexit. Na Polônia, por exemplo, muitos acreditam que um divórcio sem acordo seria até favorável. Cerca de 900 mil poloneses vivem no Reino Unido – a maior taxa entre países do bloco –, a maioria jovens que enviam remessas responsáveis por 1,2% do PIB do país no ano passado.
Para analistas, um Brexit sem acordo reduziria o mercado de trabalho britânico, forçando os poloneses a voltar para casa. “No longo prazo, isso pode ter um efeito positivo no crescimento da Polônia, que sofre com a falta de mão de obra qualificada”, afirmou Mariusz-Jan Radlo, da Escola de Economia de Varsóvia.