O Estado de S. Paulo

Boris Johnson perde para a democracia

- James Butler / NYT É JORNALISTA / TRADUÇÃO DE LUIZ RAATZ

Boris Johnson começou perdendo. Deputados britânicos tomaram, nesta semana, o controle do Parlamento, alarmados com a insistênci­a do premiê de tirar o Reino Unido da União Europeia, em 31 de outubro, mesmo sem acordo. Depois, aprovaram uma lei que impede um Brexit sem acordo. E, por fim, rejeitaram o pedido por eleições antecipada­s. Foi uma semana de drama político de alta voltagem e o ápice de dois anos de manobras táticas e processuai­s que marcaram a política britânica.

Com o Parlamento flexionand­o músculos que antes pareciam flácidos, Johnson está isolado. Furioso, tentou emplacar eleições. Falhou na primeira tentativa e fará uma nova na segunda-feira. Johnson também puniu os deputados de seu partido que votaram contra

ele e perdeu a maioria depois de um deles desertar para o Partido Liberal-Democrata.

A mãe de todos os Parlamento­s é uma anomalia. Sem conseguir depor a monarquia após uma revolução fracassada, no século 17, e sendo uma potência imperial em vez de ter passado por uma guerra de libertação, o Reino Unido nunca teve um momento de fundação constituci­onal. Isso traz consigo um peso conservado­r muito forte. Sob essa pompa ritualísti­ca, o Parlamento tornou-se muito poderoso ao longo dos anos. Um premiê com uma maioria confortáve­l, como Margareth Thatcher e Tony Blair, pode refazer o país. Mas, sem uma maioria sólida, o Parlamento resiste ao líder mais ambicioso.

As táticas não são novas. Theresa May padeceu do mesmo mal de Johnson, quando o Parlamento a obrigou a pedir uma prorrogaçã­o do prazo do Brexit em abril. Mas, desta vez, a complexida­de da nova lei é um indicativo da quebra de confiança entre Johnson e o Legislativ­o. A lei que submeteu May foi aprovada porque ela reconheceu sua derrota. Johnson, por outro lado, está em guerra com o Parlamento e prometeu “retomar o controle” da Câmara dos Comuns.

O progresso das negociaçõe­s do Brexit tem sido excessivam­ente institucio­nal, conduzido por procedimen­tos técnicos e batalhas jurídicas. Os procedimen­tos legislativ­os têm sido explicados por constituci­onalistas ao grande público numa demanda poucas vezes vista na história britânica. Já a população mostra a insatisfaç­ão com os políticos todos os dias. O entusiasmo é raro. Apenas um terço acredita que a classe política age em seu interesse e metade não acredita ser levada em conta nas decisões.

O Brexit tinha uma grande probabilid­ade de ser uma questão técnica e complexa. A tendência do bloco de burocratiz­ar em excesso suas decisões complica um processo que já é confuso. Mas a causa da crise britânica sempre foi doméstica. Suas raízes estão na decisão de May de conduzir o Brexit de modo autocrátic­o, sem ouvir o Parlamento. Esse labirinto institucio­nal do Brexit, dividido entre a democracia plebiscitá­ria do referendo e os métodos tradiciona­is do Parlamento para implementa­r o processo, está no cerne da questão.

Ao vender o referendo como um exercício democrátic­o e o debate como politicage­m anti-Brexit, Johnson acredita estar reconfigur­ando o cenário político. Talvez o estrategis­ta de Johnson, Dominic Cummings, pense que o público esteja ansiando por um homem forte para guiá-lo. Mas esse líder pode ser feito de barro. Apenas 27% dos britânicos apoiam a decisão do premiê de ampliar o recesso do Parlamento. Por isso, novas eleições devem ocorrer. A questão é quando. É sabido que Johnson pretende concorrer na base do “povo contra os políticos”. Talvez seja hora de a oposição se organizar na base de “o país contra Johnson”.

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