O Estado de S. Paulo

‘É preciso estimular demanda doméstica’

Para Schwartsma­n, inflação baixa reflete o consumo ainda tímido das famílias e a queda da renda dos brasileiro­s

- Douglas Gavras

A inflação sob controle, apesar das altas recentes do dólar, deve manter a perspectiv­a de que os juros básicos, hoje em 6% ao ano, fiquem na casa dos 5% ao ano até o fim de 2019. Mas também reflete o ritmo mais lento do que se imaginava para a recuperaçã­o de uma economia que ainda não conseguiu engatar.

A avaliação é do consultor e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsma­n. Ele também lembra que esses preços refletem o consumo ainda tímido das famílias e que a queda da renda dos brasileiro­s nos anos de crise ainda deve demorar a se recuperar. A seguir, trechos da entrevista.

O que a inflação registrada em agosto diz sobre o estado atual da economia brasileira?

Os números mostram que é a absoluta ausência de surpresas em relação à economia. Ela está parada mesmo. Os núcleos de inflação estão inalterado­s nos últimos 12 meses, é uma economia que não tem tensão inflacioná­ria.

O exterior também tem contribuíd­o para a inflação baixa? Sim. Há alguns efeitos desinflaci­onários vindo do exterior: cresciment­o global mais fraco, preços de commoditie­s em queda e a crise Argentina, que pesa direto na produção industrial do Brasil, pela importânci­a que eles têm na compra de manufatura­dos brasileiro­s. Pelos números, dá para ver que a exportação de manufatura­dos do Brasil está perdendo fôlego, o que é preocupant­e, dado o estado crítico em que a indústria brasileira se encontra.

A recuperaçã­o, então, deve vir do mercado interno? Exatamente. A recuperaçã­o da economia não vai vir de fora, é preciso colocar mais demanda doméstica para puxar a economia. O consumo está muito fraco ainda, mais forte do que o resto da economia, mas muito distante do ideal.

“O dólar rapidament­e chegou a esse patamar atual, entre R$ 4,10 e R$ 4,20, mas os efeitos dessa subida da moeda ainda não apareceram na inflação de agosto. Se eles aparecerem, vai ser em setembro ou outubro. Ainda assim, deve ser um efeito de curto prazo e não vai ser um obstáculo para o corte de juros.”

O consumo vai continuar fraco enquanto o desemprego continuar resistente?

A taxa de criação de empregos, na comparação com todo o resto, não está tão mal. Houve uma recuperaçã­o expressiva na comparação com os piores momentos da crise. Se a gente parar para pensar, eram 92,5 milhões de empregos em 2015, caiu para 89,5 milhões durante o pior momento da crise. A gente está na casa de 93,5 milhões, mas é um emprego de pior qualidade. O emprego formal ainda está muito abaixo do período pré-crise, subiu no informal e no conta própria. O que leva a uma renda mais baixa das famílias também.

O emprego informal acaba inibindo a concessão de crédito também, certo?

Sim, os bancos tendem a ser mais reticentes para dar crédito para quem está informal ou por conta própria. A economia depende muito da recuperaçã­o da renda e não tem muito como alavancar a renda neste momento.

Houve uma depreciaçã­o forte do real recentemen­te, com o dólar encostando em R$ 4,20. Isso pode afetar a inflação?

Foi, de fato, uma depreciaçã­o forte. O dólar rapidament­e chegou a esse patamar entre R$ 4,10 e R$ 4,20, mas os efeitos ainda não apareceram na inflação de agosto. Se aparecerem, vai ser em setembro ou outubro. Ainda assim, deve ser um efeito de curto prazo, se o dólar parar mesmo em R$ 4,20. Se a moeda americana subir além disso, podemos ter problemas. Até agora, porém, não acho que seja um grande obstáculo para continuar cortando juros.

O ano de 2019 é dado como perdido, apesar de previsões anteriores, que mostravam uma recuperaçã­o mais forte. Foram as crises políticas que postergara­m a retomada da economia?

A responsabi­lidade não é toda do Planalto. Eu acho que o presidente é fraco, mas o Congresso chamou para si a responsabi­lidade de tocar a agenda de reformas. O problema é que a economia perdeu fôlego no fim do ano e não recuperou desde então, apesar da perspectiv­a que os economista­s tinham de que a eleição iria eliminar incertezas.

Com a inflação nesse patamar baixo, o espaço para novos cortes dos juros continua aberto? Todas as indicações são de que o Banco Central vai continuar cortando juros, é um consenso de mercado que os juros vão ficar em alguma coisa na casa dos 5% até o fim deste ano e devem permanecer aí ao longo de 2020. Não tem muita opção, sem a queda de juros, dificilmen­te a inflação vai convergir para a meta. Em 2019 não tem mais o que fazer, o ano está perdido e o cenário já foi lançado, não tem política monetária que vá mudar alguma coisa agora. O foco do Banco Central já está em 2020.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO - 7/3/2019 Crédito distante. Bancos tendem a dificultar crédito para informais, lembra Schwartsma­n

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