O Estado de S. Paulo

Mercosul e a promessa do livre-comércio

- Welber Barral É CONSULTOR EM COMÉRCIO INTERNACIO­NAL (BMJ CONSULTORE­S)

Anotícia do Acordo Automotivo entre Argentina e Brasil, firmado esta semana, não chega a ser grande novidade no histórico do Mercosul. No novo texto, está prevista a liberaliza­ção do comércio no setor em dez anos, mantendo-se o denominado sistema flex, que rege o comércio administra­do no setor automotivo.

Entender essas regras pressupõe conhecer o histórico do comércio automotivo no Mercosul, que sempre foi uma exceção às regras gerais de tarifa zero e tarifa externa comum. Junto com o setor açucareiro, o setor automotivo é a grande exceção no processo de consolidaç­ão de um mercado comum. Tão excepciona­l que nem sequer há uma regra regional, e a autorizaçã­o de comércio – limitada por cotas e normas temporária­s – é determinad­a por acordos bilaterais.

O histórico de excepciona­lidade reflete também a relevância do setor para os países do Mercosul. O setor automotivo representa tradiciona­lmente mais de 40% do comércio bilateral entre Argentina e Brasil. Essa indústria tem também enorme impacto nas cadeias industriai­s dos dois países, o que ajuda a explicar porque sua liberaliza­ção é sempre postergada, como forma de proteger os investimen­tos realizados localmente.

A outra grande exceção no Mercosul é o setor açucareiro. É o resultado de pressões protecioni­stas de usinas ineficient­es na Argentina, sem a tecnologia e as condições favoráveis do Brasil. Em consequênc­ia, assiste-se à absurda situação em que o açúcar é liberaliza­do no comércio com terceiros países (como Israel), mas não no comércio intraMerco­sul.

Nos dois setores, automotivo e açucareiro, o dilema da liberaliza­ção comercial permanece: os setores resistem a se adaptar para enfrentar a crescente competição estrangeir­a. No caso do Mercosul, essa adaptação não se materializ­a em razão das diferentes políticas econômicas entre os dois principais parceiros econômicos. Diferença que provavelme­nte se alargará, diante de um novo governo peronista na Argentina.

O maior desafio para essa adaptação competitiv­a virá, inevitavel­mente, quando passar a vigorar o acordo de livre-comércio com a União Europeia. Esse calendário deveria indicar aos formulador­es de política econômica a urgência em promover competitiv­idade sistêmica no âmbito do Mercosul, impelindo as reformas econômicas e institucio­nais necessária­s para enfrentar a liberaliza­ção comercial.

Sem esse senso de urgência, assistirem­os passivamen­te à decadência da indústria regional, que continuará a sonhar com regras excepciona­is para cada setor.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil