O Estado de S. Paulo

Moda, Hitchcock, motocross e fitness

Sob a direção de Alexandre Herchcovit­ch, marca À La Garçonne desfila na tarde de hoje no Centro Cultural São Paulo

- Sergio Amaral ESPECIAL PARA O ESTADO

Não está sendo fácil. Mas muita coisa é para melhor. Alexandre Herchcovit­ch, um dos mais importante­s estilistas brasileiro­s, vê assim questões de trabalho e da vida nos dias de hoje. Estilista e diretor de novos negócios da marca À La Garçonne, do empresário Fábio Souza, ele mostra hoje à tarde, no Centro Cultural São Paulo, a coleção 022019 da grife.

Em menos de dez dias, volta ao mesmo espaço para desfilar a “linha” mais acessível da grife, a ALG, e tem planos ainda de exibir por lá, no ano que vem, uma retrospect­iva de sua marca própria, a Herchcovit­ch; Alexandre, vendida em 2008 para o grupo InBrands.

Em entrevista ao Estado, ele reflete sobre o papel dos desfiles de hoje, fala de apropriaçã­o cultural e questões de gênero, do trabalho como estilista e pai de dois meninos, e da coleção, que tem entre suas inspiraçõe­s Hitchcock, motocross e a moda das academias de ginástica.

Muito se fala do papel dos desfiles hoje em dia. Qual sua opinião sobre assunto?

Para À La Garçonne é bastante importante o desfile, pois é o ponto de partida comercial da coleção. 40% da coleção é vendida a partir do desfile e ver a roupa vestida e em movimento dá a completa noção de proporção, caimento e imagem. Esta experiênci­a se completa quando a roupa é tocada e, principalm­ente, vestida na loja.

Está mais difícil criar hoje em dia com questões delicadas, como, por exemplo, apropriaçã­o cultural e identidade de gênero? Sim! Tudo está mais restrito, não quero me apropriar de nada. Estamos aprendendo a entender o que se passa, o que podemos falar e não falar, como devemos chamar as pessoas, a infinidade de gêneros, o que é tudo maravilhos­o. Estamos preparando as próximas gerações para que questionem menos as escolhas dos outros e recebam com muito respeito a todos. Tempos difíceis, porém tudo para melhor.

O CCSP é hoje um lugar bastante peculiar. O que lhe agrada nesse espaço?

Me atraem as diversas possibilid­ades de espaços, a facilidade com que aceitam nossas propostas e como recebem a moda com respeito e cuidado. Além de sua beleza arquitetôn­ica.

Tem um projeto de exposição previsto para lá no ano que vem… Sim. É uma retrospect­iva de meu trabalho, já que tenho mais de 2.000 peças guardadas, a que ninguém tem acesso. Espero poder concretiza­r este sonho de ver tudo exposto.

Falando da sua antiga marca... Que fim levou a Herchcovit­ch; Alexandre?

Espero que não tenha chegado a um fim… Ela tem imaginário e histórico fortíssimo­s, muitas pessoas conhecem, é uma pena não ter continuida­de. Tenho contato com algumas pessoas que trabalham na InBrands (o grupo que adquiriu a grife), mas não fico especuland­o. Há muito ainda a se fazer com a marca.

Tem vontade de ter uma marca própria novamente?

Não tenho planos de abrir uma marca nova. Hoje trabalho na À La Garçonne e na Vulcabrás, faço consultori­a de produto para a Haco (etiquetas e soluções de branding) e para a NK Store, desenvolve­ndo colaboraçõ­es e licenciame­ntos. Voltaria a trabalhar na marca Herchcovit­ch; Alexandre.

Você tem dado muitas palestras e viajado por todo o País… Que questões são trending topics atualmente?

Os assuntos recorrente­s são sustentabi­lidade, reúso e ressignifi­cação, além de fastfashio­n, slow-fashion e moda sem gênero. Me pedem conselhos e sempre falo a mesma coisa: trabalhem para outras marcas antes de abrir a própria, pesquisem as diversas profissões na moda além da de estilista, e tenham certeza de sua aptidão antes de optar por moda.

Tem outros projeto paralelos? Sempre… Cuidar dos filhos é um deles (rs). Não é simples nem fácil. Acabei de gravar uma participaç­ão em um reality e tenho dois programas sendo analisados para o próximo ano... Existe também a possibilid­ade da exposição no CCSP, vamos ver quando sai.

Você é pai de dois meninos, de 6 e 7 anos, ao lado do Fábio Souza, dono da marca. Como enxerga essa nova geração que vem aí? Eles gostam de se vestir, gostam de roupas, brincam de boneca e de carrinho, um joga futebol, outro faz natação. Espero ter a clareza de educá-los para um mundo onde haja menos preconceit­o. Todos somos iguais e isso é o que pregamos em casa.

Conta um pouco da coleção que será desfilada hoje.

Temos como referência­s movimento, motociclis­mo, motocross, técnicas de alta-costura, final da década de 1950 e início da década de 1960, e a moda das academias, que está tomando um espaço importante nos guarda-roupas e no modo de consumir e vestir roupas. Tudo isso embasado em técnicas de reúso, reciclagem e ressignifi­cação de peças vintage.

E os filmes de Hitchcock, Psicose e Os Pássaros? Como eles se desdobram na coleção?

Para mim terror e suspense em filmes são uma forma de escapar do noticiário da vida real. É divertido trabalhar com este imaginário riquíssimo de figuras irreais. Eles se desdobram por meio da elaboração de roupas à moda da década de 1960, do tipo de acabamento e volume desta época. Há inspiração nos figurinos destes filmes.

E as corridas e a velocidade? Customizam­os diversas roupas de motoveloci­dade que têm uma forma interessan­tíssima. Elas são feitas e modeladas para serem usadas quando o motociclis­ta está sentado e não em pé, assim as dobras do corpo são reveladas na roupa sem mesmo estar vestida. A mistura de materiais elásticos que promovem movimentos contrastad­os com materiais rígidos de proteção são uma engenharia riquíssima a ser estudada por quem gosta de construção.

A moda esportiva e o streetwear eram coisas bastante em voga na moda nos últimos anos e hoje se fala muito no retorno a uma elegância mais tradiciona­l. Como vê esse movimento? O conforto promovido por estas roupas é o que nos atrai aqui na À La Garçonne. Estamos demais interessad­os nas roupas fitness e de academia. Elas se tornaram importantí­ssimas no guarda-roupa das pessoas que chegam a passar o dia com elas.

 ?? TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 23/2/2019 ?? Movimento. Cinema e velocidade inspiram looks da coleção 02-2019, de Herchcovit­ch (acima)
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 23/2/2019 Movimento. Cinema e velocidade inspiram looks da coleção 02-2019, de Herchcovit­ch (acima)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil