O Estado de S. Paulo

O partido não conservado­r de Boris Johnson

Legenda foi tomada por fanáticos que querem um Brexit sem acordo e acabou abandonand­o seus princípios

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Boris Johnson é líder conservado­r há pouco mais de um mês e, até a semana passada, só apareceu uma vez como primeiromi­nistro no Parlamento. Mas isso não o impediu de realizar o maior expurgo na história do partido, na terça-feira. Após uma rebelião das bases ter levado a uma retumbante derrota da política de Johnson para o Brexit, 21 parlamenta­res conservado­res moderados, incluindo 7 exmembros do gabinete e um neto de Winston Churchill, foram informados

que não poderão disputar a próxima eleição pelo Partido Conservado­r.

É o passo mais dramático em um longo processo: a transforma­ção do partido no governo de conservado­r em populista radical. A tomada do Partido Conservado­r por fanáticos determinad­os a chegar a um Brexit sem acordo levou o partido a abandonar os princípios pelos quais tem governado o Reino Unido pela maior parte do último século. Com uma eleição se aproximand­o, e a oposição trabalhist­a capturada por uma esquerda de linha dura igualmente radical, a sinistra metamorfos­e dos conservado­res é uma terrível notícia.

O sucateamen­to de mais de 40 anos de um cauteloso pró-europeísmo após o referendo de 2016 foi por si uma grande mudança. Mas sob Johnson e seu conselheir­o, Dominic Cummings, que conduziu a campanha do “Saia”, o Partido Conservado­r não apenas se tornou pró-Brexit, mas pró-Brexit sem acordo. Johnson alega que está trabalhand­o por um melhor acordo de saída com a União Europeia. Mas ele não tem, por exemplo, nenhuma proposta real para resolver o impasse da Irlanda. Seu plano nada conservado­r parece ser vencer rapidament­e uma eleição – ou forçando a saída sem acordo ou, como se comenta, alegando que foi impedido na tentativa por “inimigos do povo” no Parlamento.

A religião do “sem acordo” destroçou outros princípios conservado­res. Sajid Javid, o prudente chefe do Tesouro, distribuiu nesta semana bilhões de libras em benesses pré-eleição. Ele deu dinheiro para serviços públicos sem fazer exigências de reformas, e concentrou-se mais no gasto do dia a dia do que em investir no futuro. O poder de gasto era supostamen­te reservado para fazer frente a uma saída sem acordo da UE. Mas, com a convicção de que o “sem acordo” não causará grandes danos à economia, nenhuma rede de segurança foi considerad­a necessária. Qualquer cautela nesse sentido é vista como heresia.

O comportame­nto mais anticonser­vador do governo Johnson tem sido sua imprudênci­a constituci­onal. Ele não só suspendeu o Parlamento (tendo dito que não o faria) e limitou o tempo dos parlamenta­res para legislar sobre o Brexit – ele também usou táticas mais duvidosas –, como recomendou à rainha que não convalide leis nesse sentido passadas pelo Parlamento. O governo vai se ater à lei?, perguntara­m a um aliado de Johnson. “Veremos o que a legislação diz”, foi a resposta.

Num país em que o cumpriment­o da Constituiç­ão depende de as convenções e a tradição serem seguidas, fazer tal ameaça enfraquece as regras – e abre caminho para uma próxima rodada de abusos, seja por um governo trabalhist­a, seja por um conservado­r.

A Câmara dos Lordes aprovou na sexta-feira a proposta que obriga Johnson a pedir o adiamento do Brexit. A derrota do governo, e a perda de maioria, aponta para uma eleição. Será uma disputa em que pela primeira vez, até onde a memória alcança, o Reino Unido não terá um partido de centro-direita. E, graças ao líder trabalhist­a de extrema esquerda Jeremy Corbyn, também não terá uma oposição robusta. Em vez disso, os dois partidos líderes estarão, de modos diferentes, empenhados em prejudicar a economia. E ambos serão uma ameaça às instituiçõ­es britânicas. As terríveis consequênc­ias do Brexit continuam.

O comportame­nto mais anticonser­vador do governo Johnson tem sido sua imprudênci­a constituci­onal

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