O Estado de S. Paulo

Cortes atingem PF e novas moradias

Orçamento proposto pelo governo pode compromete­r desde obras de infraestru­tura a serviços públicos, como saneamento e programas

- BRASÍLIA / IDIANA TOMAZELLI, LÍGIA FORMENTI, CAMILA TURTELLI, BRENO PIRES, ANDRÉ BORGES e LORENNA RODRIGUES

O aperto no Orçamento de 2020 tem potencial para deixar um rastro de precarizaç­ão da infraestru­tura e dos serviços públicos no País. Mesmo com o pedido do presidente Jair Bolsonaro à equipe econômica para que o governo não “morra de inanição”, a tesourada, segundo proposta orçamentár­ia enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso no fim de agosto, se alastrará por obras de saneamento, reformas em hospitais universitá­rios, manutenção de estradas, programas para a população idosa e construção de moradias.

Bolsonaro reclamou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que o Orçamento está dificultan­do a estratégia de deixar a sua marca. Publicamen­te, o presidente admitiu que a restrição orçamentár­ia poderá atrapalhar uma tentativa de reeleição em 2022. Os ministros mandaram ofícios a Guedes, mas vão ter de “passar a faca” até em programas e ações que são bandeiras de cada pasta.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, elegeu a população idosa como prioridade, mas o orçamento previsto para o Fundo Nacional do Idoso será de apenas R$ 15 milhões em 2020, 57% a menos que este ano.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, conseguiu R$ 5 bilhões a mais do que o inicialmen­te previsto para o ano que vem (R$ 21 bilhões), mas terá de cortar pela metade as verbas da Capes, responsáve­l por manter a maior parte das bolsas de mestrado e doutorado no País, para garantir, segundo ele, recursos para as universida­des federais. No Ministério da Saúde, comandado por Luiz Mandetta, o corte vai atingir 55,3% das verbas para obras que visam garantir água e saneamento para cidades com menos de 50 mil habitantes, e 32% dos recursos para reforma dos hospitais universitá­rios em 2020.

No Ministério da Justiça, Sérgio Moro precisará congelar a expansão da Força Nacional, considerad­a estratégic­a para a contenção de crises de violência provocadas pelo crime organizado nos Estados. Operações da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal estão ameaçadas pela falta de recursos, segundo a pasta, incluindo emissão de passaporte­s. Os R$ 3,1 bilhões previstos para 2020 não chegam à metade do valor solicitado: R$ 6,6 bilhões.

Guedes precisou fazer as honras da casa e cortou de cafezinho a estagiário. Mesmo assim, a Receita disse ter ficado com o menor orçamento em 13 anos, o que deve causar impacto na manutenção dos sistemas das restituiçõ­es de Imposto de Renda e da emissão de CPF.

A dificuldad­e existe porque as despesas com o funcioname­nto da administra­ção federal e com investimen­tos estão esmagadas entre o teto de gastos (emenda à constituiç­ão que limita, por 10 anos, os gastos federais ao valor da despesa de 2016 corrigida a cada ano pela inflação) e o “piso” orçamentár­io, que são as despesas obrigatóri­as, como salários e aposentado­rias – que o governo é obrigado por lei a executar.

Dificuldad­e. O espaço para as chamadas despesas discricion­árias será de apenas R$ 89,16 bilhões no ano que vem, o que, segundo os ministério­s, vai dificultar a execução de todos os programas. Com a infraestru­tura sendo um dos principais gargalos do País, a pasta responsáve­l pela área, comandada por Tarcísio Gomes de Freitas, só terá R$ 5,2 bilhões para investir e vai priorizar obras já em andamento. O valor, porém, não é suficiente sequer para compensar o desgaste natural que rodovias e ferrovias sofrem com o tempo, informou o ministério.

O futuro do Minha Casa, Minha Vida é incerto: o orçamento de R$ 2,7 bilhões é o menor desde a sua criação, em 2009, e, conforme o governo, é suficiente apenas para honrar o que já foi contratado. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, viu seu orçamento para 2020 encolher 30,4% em relação a este ano, para R$ 561,6 milhões. O jeito, segundo a pasta, vai ser cortar em aluguéis e renegociar contratos. Em meio a uma crise por causa das queimadas na Amazônia, Salles disse ao Estado que buscará blindar as “atividades-fim” contra qualquer aperto, preservand­o as áreas de fiscalizaç­ão de incêndios.

Estratégia. A equipe econômica resiste a mexer no teto de gastos, criado em 2016 como resposta à desconfian­ça sobre a política fiscal do País. O Brasil teria o terceiro ano de rombo nas contas, com gastos maiores que a arrecadaçã­o, ampliando sua dívida pública. O limite para as despesas serviu como uma âncora de credibilid­ade, e o temor é de que sua flexibiliz­ação possa fazer tudo desmoronar.

Guedes tem dito que o melhor caminho é “quebrar o piso” em vez de fazer um “puxadinho” no teto de gastos. Para isso, promete atacar as despesas obrigatóri­as. Depois da reforma da Previdênci­a, quer aprovar medidas para reduzir o avanço de gastos com salários e outras despesas obrigatóri­as.

O receituári­o, porém, pode demorar a surtir efeito. Até lá, os demais ministério­s terão de adequar as milhares de demandas com os recursos previstos disponívei­s.

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO -22/8/2019 Redução. Ministério da Economia, com luzes apagadas, seguindo ordem do ministro Paulo Guedes para diminuir despesas

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