O Estado de S. Paulo

O centenário Bar Luiz fecha as portas no Rio.

Cariocas fizeram fila no Luiz da Rua da Carioca, famoso por quitutes alemães e clientela ilustre

- Marcio Dolzan / RIO

Quando o Bar Luiz nasceu, em 1887, o Brasil ainda era um Império com escravos e economia agrária. Ao longo dos últimos 132 anos, sobreviveu enquanto o País abolia a escravidão, proclamava a República, fazia a Revolução de 1930, se industrial­izava, enfrentava duas guerras mundiais, vivia a ditadura Vargas e o regime militar, e se redemocrat­izava (duas vezes).

Agora, porém, parece ter chegado o fim para o salão comprido no número 39 da Rua da Carioca, no centro do Rio, onde se serve chope gelado e quitutes alemães famosos, como o bolo de carne e a salada de batatas. Reduto centenário da boemia de outros tempos, o Bar Luiz anuncia o seu fechamento definitivo para o próximo sábado, seu último dia oficial de funcioname­nto.

Gerente do local, Emerson Coelho não quis dizer os motivos que estão levando o bar ao seu ocaso. “São vários, mas prefiro falar sobre as pessoas

que não querem que ele feche, que são os funcionári­os e os clientes do Bar Luiz”, disse ontem ao Estado. Quem conhece a rotina do local, porém, aponta as razões. A clientela caiu drasticame­nte nos últimos anos, o preço das refeições – justamente por causa da qualidade – está acima da média oferecida em restaurant­es próximos. E a Rua da Carioca, onde o bar fixou endereço definitivo em 1927, hoje basicament­e só serve para trânsito de veículos. O vasto comércio das redondezas fechou, em sua maioria por causa de aluguéis altos e da crise.

Ao longo da história, o Bar Luiz teve diferentes nomes. Inicialmen­te, era Zum Schlauch, À Mangueira em alemão; depois foi Zum Alten Jacob, Ao Velho Jacob, homenagem ao fundador; em seguida, foi Bar Adolph, alusão a Adolf Rumjaneck, sucessor de Jacob. Essa pegada alemã quase lhe custou caro em 1942, quando submarinos da Marinha germânica afundaram navios civis brasileiro­s.

Estudantes percorrera­m a cidade, atacando alvos do “inimigo”. Foram ao então Bar Adolph, que só não foi quebrado, segundo a tradição, por intervençã­o do compositor Ary Barroso. Ele tomava o seu chopinho e impediu o ataque. Depois disso, o então proprietár­io, o austríaco Ludwig Vöit, mudou o nome para Bar Luiz.

O bar já teve entre os clientes, no seu início, os escritores João do Rio e Olavo Bilac, e, nos anos 1960 e 1970, Sérgio Cabral, pai do ex-governador do Rio, e Jaguar. Sua clientela atual é formada basicament­e por aqueles que o frequentam há muito tempo, em geral mais velhos. São pessoas que se encantam pelo ambiente simples. É um vasto salão com mesas e cadeiras totalmente de madeira, e com piso e paredes gastos que remetem à arquitetur­a da primeira metade do século passado. Também não esquecem o sabor da costela defumada de porco e dos frios e salsichas.

Despedida. Ontem, muitos desses apaixonado­s fizeram fila para almoçar naquela que pode ter sido a saideira do Bar Luiz. “Venho ao Bar Luiz desde que tinha 15 anos. Frequentei com bastante regularida­de, e é quase chorando que venho aqui pela última vez”, disse a enfermeira aposentada Ivone Bulhões Forget, de 81 anos. “Gosto da história, da tradição e da comida. A salada de batata, o chope, os pratos alemães... E o ambiente é muito agradável.”

Atualmente morando em Maricá, Ivone foi ao bar assim que soube que ele está encerrando suas atividades. Queria ter uma última lembrança. “Ouvi desde muito cedo que perder a esperança é a suprema heresia. Perder a esperança não perco, mas, na atual conjuntura, com tudo fechando e com o anúncio de que o bar fecharia, por que não fecharia? Que milagre econômico ocorreria?”, indaga.

Professor da Universida­de Federal Fluminense, Francisco Souza disse frequentar o Bar Luiz desde a década de 1970, e lamentou o anúncio de fechamento. “Eu estava aqui nos 100 anos do bar, vim aqui na época que tinha o (jornal) Pasquim aqui perto. Além de ser histórico, isso aqui é a fênix da resistênci­a cultural carioca”, disse. “O fechamento do bar vem na mesma onda da morte das cidades. Há violência por todo lado e as pessoas têm receio de sair de casa. Temos uma cidade que efetivamen­te está entregue.” Dificuldad­es. Outrora conhecido na noite carioca, o Bar Luiz só abre para o almoço. O motivo são os cortes que o gerente se viu obrigado a fazer. “Hoje nós temos somente oito funcionári­os, mas o bar chegou a ter 50. Quem ficou foi por aceitar um desafio e acreditar que um dia uma alma carioca com espírito de entretenim­ento e alegria pudesse nos ajudar”, comentou Coelho.

Entre os que foram lá almoçar ontem – houve fila e os estoques de mantimento­s não foram suficiente­s – estava o empresário Ottomar Grunewald, dono de um premiado restaurant­e no Rio. Ao fim do almoço, ele procurou o gerente para oferecer ajuda. Prometeu enviar garçons, maître e o que mais fosse preciso ainda hoje. “O bar é bom, ele só precisa de ajuda”, disse Otto, como é conhecido o empresário.

Comida boa “Venho aqui desde 1987, na era pré-restaurant­e a quilo. Gosto pelas recordaçõe­s, a comida é boa, tem bom serviço. Sai daquele padrão de restaurant­e fast-food e a quilo.” Fernando Bortoli ENGENHEIRO NAVAL, DE 55 ANOS. FOI ONTEM AO BAR COM DOIS AMIGOS.

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 ?? WILTON JUNIOR / ESTADÃO ?? Tradição. Ambiente sem requinte, com mesas e cadeiras de madeira, encanta quem frequenta o local há mais tempo
WILTON JUNIOR / ESTADÃO Tradição. Ambiente sem requinte, com mesas e cadeiras de madeira, encanta quem frequenta o local há mais tempo

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