O Estado de S. Paulo

Estagnação industrial já dura uma década

- ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

Aprodução industrial brasileira de julho caiu 0,3% em relação a junho, frustrando expectativ­as de retomada a partir dos dados do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados na semana anterior, que apontavam para um resultado global da economia um pouco melhor do que o esperado.

Mas o que chama a atenção no nível atual da produção industrial é que ele é equivalent­e ao de dez anos antes (janeiro de 2009), período marcado pelos efeitos da crise do subprime nos EUA. Ou seja, a indústria vive uma longa estagnação. O País está num processo precoce de desindustr­ialização, com perda substancia­l de participaç­ão do setor no PIB, hoje restrita a cerca de 10%, ante a média internacio­nal de 16% e bem abaixo da verificada em países como México (17,5%) e Coreia do Sul (27,6%).

Além da perda da participaç­ão relativa, observa-se, ainda, uma queda da qualidade da produção, medida pela participaç­ão da indústria de média e alta tecnologia no PIB, que recuou de 11,4%, em 2009, para 8,1%, em 2017, último dado disponível.

Vários foram e são os fatores que contribuír­am para essa situação. Há os de ordem macroeconô­mica, há aqueles relacionad­os à ausência de uma política de competitiv­idade favorável e há, também, outros de ordem microeconô­mica.

Os juros básicos estão no menor patamar nominal histórico, o que em tese contribuir­ia para um aumento do interesse na produção e no investimen­to. No entanto, outros aspectos jogam contra isso. O primeiro é que, em razão da distorção do mercado financeiro brasileiro, a distância entre o juro básico e aquele cobrado do tomador final ainda é abissal e incompatív­el com a rentabilid­ade esperada de qualquer atividade produtiva. O segundo aspecto é que investimen­to produtivo é motivado pela expectativ­a favorável de cresciment­o futuro da demanda, bem como da rentabilid­ade esperada.

Nada está a indicar uma retomada da demanda. Primeiro porque o crédito, como já mencionado, é ainda mais proibitivo ao consumidor. Além disso, o desemprego é dos mais elevados, especialme­nte consideran­do um conceito mais amplo que inclui os desalentad­os e com ocupações

precárias, um contingent­e de quase 30 milhões de pessoas. A renda das pessoas ocupadas também não tem acompanhad­o o cresciment­o dos custos de itens representa­tivos da cesta de consumo da classe média, como taxas de planos de saúde, de condomínio e mensalidad­es escolares, por exemplo. São fatores que comprimem o orçamento familiar e restringem a capacidade de consumir.

Há, ainda, os fatores de competitiv­idade desfavoráv­eis, como burocracia, custo de logística e infraestru­tura, impactos da tributação, além de outros piores do que a maioria dos nossos competidor­es. A desvaloriz­ação do real relativame­nte às demais moedas deveria compensar parte dessas desvantage­ns, mas isso não é imediato nem automático.

O desempenho exportador é algo que requer uma estratégia mais ativa, de forma a vir a representa­r uma parcela maior do que a atual. Diante da crise global, as “guerras” comercial e cambial estão acirrando a disputa pelos mercados e tornando mais árdua

O nível atual da produção é equivalent­e ao de dez anos antes, período dos efeitos da crise do subprime

a tarefa de quem deseje obter ganhos de participaç­ão.

A agenda da política industrial num sentido mais amplo, consideran­do as políticas de competitiv­idade comercial e de ciência, tecnologia e inovação, precisa fazer parte das discussões das alternativ­as para o fortalecim­ento da indústria. Nesse sentido, ao contrário do esperado por alguns, a junção do antigo Ministério do Desenvolvi­mento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) ao atual Ministério da Economia parece ter ocultado a temática.

O desafio da retomada da economia passa, necessaria­mente, pela recuperaçã­o da indústria, tendo em vista sua relevância para a geração de valor agregado e suas interconex­ões com os setores agropecuár­io e de serviços.

PROFESSOR-DOUTOR, DIRETOR DA FEA-PUCSP, CONSELHEIR­O E ATUAL VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON), É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ‘ECONOMIA BRASILEIRA’ (6ª EDIÇÃO: SARAIVA, 2018) SITE: WWW.ACLACERDA.COM

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