O Estado de S. Paulo

‘Agora a economia vai pautar a política’

O consultor americano diz que o Congresso poderá adotar uma agenda populista se o País não crescer mais em 2020

- José Fucs

O cientista político americano Christophe­r Garman, responsáve­l pela área de Américas da Eurasia, uma consultori­a internacio­nal de avaliação de riscos, tem um retrospect­o notável em suas previsões sobre o Brasil.

Em 2014, logo depois das eleições, Garman antecipou a formação de uma “tempestade perfeita” contra a presidente Dilma Rousseff, com a combinação de um governo com sustentaçã­o política limitada e baixa credibilid­ade perante o mercado, um escândalo de corrupção “já contratado”, como o petrolão, e um cenário econômico complicado no exterior. Deu no que deu.

Em maio de 2018, quando os principais analistas do País apostavam na repetição do embate entre o PSDB e o PT ou numa disputa entre o PSDB e o PDT de Ciro Gomes, ele acertou mais uma vez, ao afirmar que Jair Bolsonaro tinha grandes chances de chegar ao segundo turno.

Nesta entrevista ao Estado, Garman diz que, ao contrário do que aconteceu nos últimos cinco anos, “agora é a economia que vai pautar a política”. Segundo ele, a “retórica belicosa” de Bolsonaro “não é o principal motivo” de retração dos investidor­es internacio­nais. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeir­os em relação ao Brasil é a lenta recuperaçã­o da economia.

O sr. mantém contato frequente com investidor­es, bancos e grandes empresas internacio­nais. Qual é a percepção deles em relação ao atual cenário político e econômico do Brasil?

Eu diria que tanto as empresas multinacio­nais como o mercado financeiro reconhecem que, diante da grave crise macroeconô­mica do País, com forte desequilíb­rio fiscal, a reforma da Previdênci­a era necessária para haver qualquer recuperaçã­o da economia. Passada essa etapa, que deve ser concluída até meados de outubro, com a aprovação da reforma pelo Senado, é claro que você tira um risco do horizonte. Mas a pergunta é: isso vai ser suficiente para voltar a atrair investimen­tos externos? A resposta provavelme­nte é não.

Por quê? O que impede a volta dos investimen­tos externos ao País?

O que atrapalha mais é que a economia não está se recuperand­o. A recuperaçã­o ainda é bem modesta. O investidor de fora vê com bons olhos a ampla agenda de reformas que a equipe econômica e o próprio Congresso estão articuland­o. Mas os detalhes dessas reformas ainda não foram apresentad­os e não se sabe a profundida­de que elas terão. Então, há um reconhecim­ento de que o Brasil está tendo alguns avanços, mas com pouca clareza se essa agenda de reformas, que tem mais impacto na produtivid­ade, vai levar a um cresciment­o mais robusto nos próximos anos.

Várias declaraçõe­s do presidente Jair Bolsonaro tiveram grande repercussã­o no exterior. Que efeito isso tem nesse quadro? Algumas coisas atrapalham, sim. Há uma visão desse governo muito ruim fora do Brasil, uma cobertura da imprensa que transmite todas as declaraçõe­s polêmicas do presidente, embora o maior impacto em termos de reputação tenha sido com a crise na Amazônia. Acredito que essa retórica não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil. O Brasil está menos atraente porque a recuperaçã­o está muito mais lenta do que as pessoas imaginavam no início do ano. Isso contamina tudo. Esse é o fator mais importante.

O sr. está dizendo que, apesar das reformas, há uma certa frustração lá fora em relação ao Brasil? É isso?

Essas reformas podem aumentar a produtivid­ade, mas não são coisas de curto prazo. São reformas mais estruturan­tes, com efeitos de médio e longo prazos. Isso dificulta. Também não ajuda o fato de o Brasil estar entrando numa fase mais construtiv­a em termos de aprovação de reformas, num momento externo ruim, com a aversão ao risco aumentando por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Além disso, há uma preocupaçã­o com o desaquecim­ento em vários lugares – na Alemanha, na China e possivelme­nte nos Estados Unidos – e uma saída do mercado de ações. Hoje, o mercado financeiro olha para o Brasil e diz: “Bom, os preços já subiram bastante, já me queimei lá antes, o jogo não parece atraente agora”. É uma avaliação um pouco mais fria. O Brasil está pagando um preço por entrar nesse ciclo de reformas mais construtiv­as num cenário incerto, de desaquecim­ento global.

Como as privatizaç­ões e as concessões se encaixam nesse cenário? Os investidor­es externos não vão participar?

Acredito que esse cenário não atrapalha esse investidor. Há apetite externo para ativos que estão sendo colocados à venda. Há ativos bem atraentes. O Brasil é o principal mercado da América Latina e ninguém pode ficar fora do País. Por isso, as consultori­as internacio­nais estão apostando pesado no Brasil. Talvez o preço seja um pouco menor, mas não acho que é um empecilho para essa agenda de privatizaç­ão andar. É claro que, se isso tiver êxito, ajuda um pouco na melhora da percepção externa.

Para concluir, como o sr. vê as perspectiv­as do País daqui para a frente? O cenário atual deve mudar para melhor ou para pior?

Vai depender muito da economia. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos, a política é que pautou a economia. Grandes eventos políticos pautaram a economia. Agora, acredito que isso se inverteu. Então, para mim, o resultado da economia nos próximos 12 meses vai ter repercussõ­es políticas bem importante­s.

Que tipo de repercussã­o política o desempenho da economia pode ter?

Se a economia não se recuperar no ano que vem e o cresciment­o do PIB ficar abaixo de 1,5%, com o índice de desemprego em dois dígitos, a relação com o Congresso vai começar a piorar. Vai “bater” o pânico no Congresso, em decorrênci­a dessa situação, e ele pode começar a tomar medidas ruins. Se a economia ficar patinando, o Congresso pode começar a pensar em aumentar o salário mínimo um pouquinho, flexibiliz­ar o teto, esse tipo de coisa. Agora, se a economia crescer 2,2% no ano que vem e aumentar para 2,5% no ano seguinte, as lideranças no Congresso começam a ver que o retorno do ajuste e das reformas está vindo. Se isso acontecer, a percepção externa melhora, a agenda reformista continua e você consegue ter um ciclozinho virtuoso.

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RICHARD JOPSON/EURASIA-12/4/2016 Foco. Garman diz que é a recuperaçã­o lenta da economia que afasta investidor­es do País

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