Coala equilibra o novo e o clássico
Música. Modelo de festivais médios pelo Brasil atraiu 26 mil pessoas, com shows de Ney Matogrosso, Djonga e Mestre Anderson Miguel
Modelo de festivais independentes do Brasil na última década, o Coala Festival realizou sua sexta edição no fim de semana com recorde de público: foram 14 mil pessoas no sábado e 12 mil no domingo ocupando o Memorial da América Latina apenas com música brasileira, a assinatura do evento.
Se o número elevado de público causou a sensação de um Memorial lotado um pouco demais no sábado, não houve problemas de estrutura relevantes: o modelo do Coala une curadoria atenta à nova produção contemporânea (sem hierarquia de horários e sem esquecer os clássicos), infraestrutura de banheiros, bares e comidas com preços normais (caros, mas tudo é caro em São Paulo) e mobilidade urbana facilitada – ao lado do terminal de ônibus, metrô e trens da Barra Funda.
No domingo, quem encerrou a noite foi Ney Matogrosso, com seu show Bloco na Rua, apresentação roqueira do cantor que passeia por composições de Rita Lee, Paralamas, e, claro, Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua, de Sérgio Sampaio, que abre o show – segundos antes da música começar de fato, Ney ainda está “aprisionado” na sua armadura de metal (desenhada pelo estilista Lino Villaventura), de onde se liberta com uma precisão de movimentos inimaginável em outra pessoa de 78 anos. Depois do começo arrasador, Ney embarca em uma longa viagem romântica eventualmente interrompida por sucessos como Pavão Mysteriozo e, ao fim, Sangue Latino.
Antes dele, o rapper mineiro Djonga suou para passar sua mensagem para um público ainda não tão acostumado a shows de rap. Mas o que Djonga faz no palco é irresistível mesmo para quem não conhece suas letras. Trazendo na bagagem o disco Ladrão (2019), são sucessos um pouco mais antigos que engajam o público, especialmente Olho de Tigre e seu refrão inesquecível (“fogo nos racistas!”, diz o rapper depois de versos no seu flow gritado). Domingo ainda viu shows de Orkestra Rumpilezz, Chico César & Maria Gadu, Afrocidade, Curumin e outros.
No sábado, o BaianaSystem encerrou a noite com seu show de novo formato. É interessante testemunhar como o grupo baiano, embalado pelo disco O Futuro Não Demora, busca uma construção sonora e visual diferente para o consagrado show de alta voltagem popularizado pela turnê anterior, do álbum Duas Cidades. Talvez fazendo uma leitura do momento contemporâneo, e apesar de ainda entregar um show marcado pelas rodas e pela energia incessante da banda, o Baiana parece procurar um caminho mais calmo para suas próprias criações.
Mas talvez o maior prazer que o fã de música vai encontrar em um festival é se deparar com uma apresentação mágica de um artista ainda pouco conhecido.
Foi o que aconteceu no fim da tarde de sábado com o jovem Mestre Anderson Miguel, pernambucano ligado ao maracatu que promove uma leitura atualizada de ritmos tradicionais e da ciranda, com uma concisão lírica alcançada apenas pelos muito talentosos. Sua música não tem nada de passadista, embora se encaixe numa tradição olhada muitas vezes com preconceitos. Com um quinteto compacto (destaque para o trompetista Roberto Manoel; Siba toca guitarra e faz a direção musical), Mestre Anderson chegou como surpresa e foi embora com o melhor show do Coala 2019.