O Estado de S. Paulo

‘Afasta de mim esse cálice...’

- ROBERTA MARTINELLI E-MAIL: ROBERTA.MARTINELLI@ESTADAO.COM

Eu estava na 6.ª série quando chegamos a um período na aula de História do Brasil chamado ditadura. Lembro que o que mais me chamava a atenção eram as fotos de jovens com cartazes e policiais com cassetetes. Pensava sempre “por que será que estão batendo em pessoas que pintaram cartazes?”. Depois foram as músicas que me ensinaram tanto: Apesar de Você, Pra não dizer que não falei das Flores, O Bêbado e a Equilibris­ta, É proibido proibir, Cálice, Opinião, Que as Crianças cantem livres e tantas outras. Na semana passada, tivemos prefeito mandando recolher gibis no Rio de Janeiro. Na anterior, tivemos o cancelamen­to da peça do grupo A

Motosserra Perfumada, censurada pelo atual (eles passam) diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte.

No fim de semana, uma peça do grupo Clowns de

Shakespear­e foi tirada de cartaz na Caixa Cultural Recife. Na coluna anterior, eu escrevi sobre lançamento­s na música brasileira, enaltecend­o que devemos falar das nossas conquistas, e tirar o foco dessas maluquices.

Mas as loucuras não param e o momento me parece urgente. Então, vamos cantar mais alto. Que músicas marcarão este momento que vivemos?

Flutua, da Johnny Hooker e Liniker (pois ninguém vai poder querer nos dizer como amar), é hino. Já vi essa música várias vezes em shows e sempre é o momento catártico de cantar chorando e colocando pra fora toda a indignação.

Valhacouto, canção composta por Douglas Germano e Aldir Blanc – aliás, esse disco todo do Douglas é trilha de 2019 e aproveito para grifar mais uma vez para que todos escutem Escumalha. O álbum anterior

dele: Golpe de Vista, também entra aqui.

Nessa lista, tem também

Menino Mimado, do Criolo. E um lançamento recente do Emicida, a música AmarElo com participaç­ão da Majur e Pabllo Vittar e sample de Sujeito de Sorte de Belchior – juntando duas épocas tão distantes e infelizmen­te agora próximas.

Uma música muito forte, também retrato de hoje, recém-lançada, e que merece ser mais espalhada é Samba

Estranho, com Moacyr Luz & Samba do Trabalhado­r e participaç­ão de Chico Alves (compositor da canção ao lado de Moacyr): “Nesse sonho ruim que eu me via nem a poesia falava por nós”. A música também relembra outros tempos com versos de A

Flor e o Espinho e Juízo Final.

O sonho estranho está quase um pesadelo.

Imagina a tristeza de ver fiscais entrando numa Bienal para confiscar livros por conta de um beijo. Imaginou? Tristeza sem fim, né?

Mas que forte que é todos os exemplares já estarem vendidos.

Para cada retrocesso, uma pequena esperança.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 22/03/2017 Hooker e Liniker. ‘Flutua’
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