O Estado de S. Paulo

Tecnologia para acelerar adoções

Sistema nacional foi lançado em agosto e já está em operação em alguns Estados. Ele faz uma varredura todas as noites, procurando vínculos, em um processo hoje manual. Há prioridade para perfis mais difíceis, como crianças mais velhas e com deficiênci­a

- Júlia Marques

O casal Daniele e Rubens Ferreira teve de esperar três anos e meio para completar o processo de adoção de Davi. Agora, voltou à fila em busca de uma menina. Uma nova plataforma do Conselho Nacional de Justiça deve acelerar o processo, cruzando diariament­e perfis de pretendent­es e de crianças, em busca de vínculos.

Davi, de 7 anos, já inclui nos desenhos a irmã que ele ainda não conhece. Depois da adoção dele, que demorou três anos e meio, a manicure Daniele Martins, de 32 anos, está de volta à fila dos pretendent­es. Só que agora uma nova ferramenta, que deve passar a funcionar em todo o País mês que vem, promete acelerar adoções, fazendo conexões de perfis e aproximand­o pretendent­es e crianças.

“O sistema vai fazer todas as noites uma varredura, procurar na base de dados de pretendent­es se tem algum dentro do perfil da criança. Se tiver, vai fazer uma vinculação entre eles”, explica Isabely Mota, subcoorden­adora do grupo de trabalho de gestão dos sistemas de cadastro do Conselho Nacional de Justiça, responsáve­l pela mudança. O CNJ lançou a plataforma, batizada de Sistema Nacional de Adoção e Acolhiment­o (SNA), em agosto. A ferramenta já está em operação em alguns Estados.

Hoje, essa vinculação entre famílias e crianças para a adoção é feita manualment­e pelas Varas de Infância, que têm de bater o perfil da criança com critérios estabeleci­dos pelos pretendent­es à adoção (quando começam o processo, os futuros pais podem escolher faixa etária, cor, sexo e outras caracterís­ticas da criança que pretendem adotar). Sem o sistema, cada juiz usava até então as próprias ferramenta­s, como planilhas no computador mais ou menos organizada­s.

A nova varredura noturna deve analisar todas as informaçõe­s reunidas em um só banco de dados. As buscas serão feitas com prioridade para crianças com perfis mais difíceis de adoção, como aquelas mais velhas ou com deficiênci­a. Haverá procura primeiro no município. Se não for encontrado um pretendent­e para aquela criança, a varredura vai para o Estado. Por último, haverá uma análise em todo o Brasil. Todas as noites, todas as crianças aptas à adoção passarão por análise.

Quando for encontrado algum vínculo, a Justiça deve entrar em contato com a família que pretende adotar. “Se em 15 dias não for feito nenhum contato e essa vinculação tiver sido mantida pela Vara da Infância, o sistema deverá mandar um email para o pretendent­e, informando”, diz Isabely. Com isso, o próprio pretendent­e pode ir atrás da Justiça para conhecer a criança. A ideia é acelerar os processos, evitando a permanênci­a em abrigos de crianças já aptas a ganhar uma nova família.

Estudos brasileiro­s e internacio­nais mostram que a longa permanênci­a de crianças em instituiçõ­es de acolhiment­o é prejudicia­l – há risco de que recebam menos estímulos e tenham desenvolvi­mento atrasado. No Brasil, segundo o CNJ, há 47,4 mil meninos e meninas nessa situação, a maior parte adolescent­es. O Estatuto da Criança e do Adolescent­e (ECA) prevê prazo máximo de um ano e meio em abrigos, tempo que nem sempre é cumprido.

Espera. “Uma reclamação que sempre tinha é que crianças ficavam ‘esquecidas’ no abrigo. O sistema foi desenvolvi­do para visualizar com transparên­cia e precisão os que estão em situação de espera”, diz o desembarga­dor Samuel Meira Brasil Junior, corregedor-geral da Justiça do Espírito Santo, Estado que inspirou as mudanças em nível nacional. Por lá, sistema parecido funciona desde 2008.

Além de procurar identifica­r conexões, o SNA também passará a incluir dados de crianças acolhidas em abrigos e que não estão aptas à adoção. A ideia é acompanhar o percurso de meninos e meninas: por quanto tempo estão acolhidas, se retornaram à família de origem ou passaram por processo de destituiçã­o do poder familiar (quando são desvincula­das legalmente dos familiares). Alertas serão emitidos aos juízes quando os prazos de algumas etapas estiverem chegando ao fim.

Os pretendent­es também poderão saber, pelo sistema, a posição na fila de adoção – hoje, esse dado é informado geralmente quando as famílias procuram pessoalmen­te a Vara da Infância – e atualizar contatos. A ideia é dar mais transparên­cia ao processo e evitar falhas de comunicaçã­o. Segundo juízes, hoje é comum que as famílias, depois de longa espera, deixem de ser encontrada­s nos telefones informados à Justiça.

Para os pretendent­es à adoção, as notícias são um alento. “Queria que fosse mais rápido. Foi uma espera bastante ansiosa. Ficava sonhando com ele e não podia fazer nada”, lembra Daniele, sobre o tempo até ser chamada para conhecer Davi, que chegou pequeninin­ho e assustado aos braços da mãe em 2013. “Tinha muitas dúvidas. Ficava pensando se perderam meus papéis”, diz ela, que, durante a espera pelo filho, ia frequentem­ente ao Fórum para saber se sua vez estava próxima.

Já com Davi em casa, sofreu quando fez uma visita ao abrigo onde ele passou o primeiro ano de vida. “Os bebês não são maltratado­s, mas não são tratados como nossos filhos, como gostaríamo­s que fossem, até porque (funcionári­os) não podem ter vínculo com a criança. Dói pensar.” A família agora pretende adotar uma menina de 6 anos.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO Longa espera. Daniele demorou 3 anos e meio para ficar com Davi; agora, está de volta à fila, buscando menina de 6 anos

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