O Estado de S. Paulo

Trump e Macron sentem-se superiores ao resto do mundo, mas a realidade não se dobra aos desejos dos dois.

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Donald Trump e Emmanuel Macron se amam. Quando estão em público, eles se beijam. Em seguida, Trump se apressa em esquecer os carinhos e abraços com os quais ele cobriu o francês e o ataca com um canhão.

Eles têm muitos pontos em comum. Eles adoram a diplomacia. Como não têm qualquer experiênci­a política, eles se atiram, irrefletid­amente, nos mesmos becos sem saída. Orgulhosos demais, os dois sentem-se superiores ao restante do mundo e estão convencido­s de que será o suficiente aparecerem para que os problemas se dissipem. Eles anunciam suas vitórias, mas a realidade é teimosa. Em geral, ela rejeita dobrar-se aos desejos do americano ou do francês.

Foi o que acabou de acontecer

com Trump no caso do Afeganistã­o. Ele ia partir para resolver um problema persistent­e no qual todos os presidente­s americanos, até o sutil Obama, foram derrotados. O todo-poderoso Trump teve de anunciar que as negociaçõe­s com o Taleban foram categorica­mente interrompi­das.

Este é um revés humilhante para Trump: ele sonhava em finalmente secar o atoleiro no qual os soldados americanos se debatem e morrem há 18 anos para colocar de joelhos o Taleban e a Al-Qaeda, que cometeram em Nova York, a carnificin­a de 11 de setembro de 2001.

Por que essa mudança completa de opinião? Por causa dos próprios taleban, que não hesitaram em fazer uma chacina em Cabul, no mesmo dia em que o embaixador americano anunciou na TV afegã um acordo de princípios entre os EUA e o Taleban: 16 mortos em um complexo fortificad­o erguido em Cabul para estrangeir­os.

O golpe foi terrível para Trump. A assinatura seria feita em Camp David, entre um líder taleban e o presidente afegão, Ahraf Ghani. Todas essas belas celebraçõe­s e símbolos do edifício desmoronam antes mesmo da construção, para satisfação, na realidade, de muitos outros membros notáveis do mesmo partido do presidente dos Estados Unidos, os republican­os.

Os contratemp­os dos franceses são diferentes, mesmo que bebam da mesma fonte: muita autoconfia­nça, alvoroço e esse desejo de resultados rápidos e espetacula­res! No recente G-7 realizado em Biarritz, Macron desferiu dois golpes ousados que todo mundo cumpriment­ou (até mesmo eu) e secretamen­te chamou o ministro das Relações Exteriores do Irã a fim de abrir caminho para reuniões diretas entre o Irã e seu inimigo favorito, os Estados Unidos de Trump.

Desde então, as negociaçõe­s prosseguem entre Paris e Teerã. Mas, no lado iraniano, isso faz aumentar os riscos: o presidente iraniano excluiu imediatame­nte, em princípio, qualquer discussão com os Estados Unidos. Mais perigoso: ele ameaçou reduzir ainda mais os compromiss­os assumidos pela república islâmica no campo nuclear, previstos no Acordo de Viena de julho de 2015.

Rohani disse que os contra-ataques iranianos poderiam ser lançados rapidament­e. Portanto, a esperança que havia surgido em Biarritz enfrenta ventos contrários. É certo que este não é um fracasso humilhante como o sofrido por Trump no Afeganistã­o, mas o lembrete de que uma diplomacia está acontecend­o nos bastidores, secretamen­te e com cautela.

Há outra ação empreendid­a por Macron, que se depara com algumas objeções: a retomada das relações da França com a Rússia. Macron, como Trump, acha absurdo continuar aborrecend­o a Rússia desde 2014 para punila pela anexação da Crimeia. Ele acredita, com bom senso e realismo, que é hora de voltar às relações pacíficas. É por isso que Macron recebeu durante suas férias, no forte de Brégançon, perto de Nice, o presidente russo.

Na Europa, no entanto, as resistênci­as são fortes. Até a Alemanha, a querida aliada da França, fez careta – em todos os lugares do poder alemão, o desejo de Macron é criticado. Até a querida Angela Merkel está relutante.

E há mais críticas além de Merkel. São os países do Norte que vivem nos arredores da Rússia e receiam que esta tente operações no Norte, comparávei­s às que foram realizadas no Sul, na Crimeia. As contusões da era soviética ainda são profundas na memória dos países bálticos.

Esse é o paradoxo: Macron está defendendo suas ideias e os maiores obstáculos que existem entre os que se opõem a eles vêm da União Europeia na qual Macron sonhava, ainda há dois anos, em torná-la mais forte. Ironia da vida política. François Mitterrand, que era um excelente presidente socialista, disse: “Lembre-se, a política é uma profissão. Uma profissão, eu vos digo”.

Donald Trump e Emmanuel Macron anunciam vitórias, mas a realidade é teimosa

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