O Estado de S. Paulo

Engatando o ciclo

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS É COLUNISTA DO BROADCAST

Em meio ao crescente temor de uma recessão global, após indicadore­s mostrando uma desacelera­ção mais forte do que o esperado na zona do euro, na China e nos EUA, o Brasil encontra-se numa posição favorável em relação a outros países emergentes para atrair investidor­es: está no início de um ciclo econômico de expansão.

Esse é o argumento de muitos investidor­es para antecipar uma tendência de alta dos ativos brasileiro­s, especialme­nte da Bolsa. Mas, como a recuperaçã­o da economia tem ficado muito aquém do que se projetava neste ano, quais obstáculos podem fazer com que esse novo ciclo leve mais tempo para engatar, frustrando os investidor­es?

Na mais recente pesquisa Focus, do Banco Central, o consenso dos analistas estima um cresciment­o do PIB de 0,87% neste ano e de 2,07% em 2020, ritmo considerad­o ainda muito lento para aliviar os mais de 12,5 milhões de brasileiro­s que estavam em busca de trabalho no trimestre encerrado em julho, quando a taxa de desemprego ficou em 11,8%.

“Comparativ­amente a outros países do mundo, o Brasil hoje é o país que está mais no começo do ciclo de recuperaçã­o econômica”, diz o economista-chefe da Trafalgar Investimen­tos, Guilherme Loureiro. “A ociosidade na economia está elevada e o mercado de trabalho tem bastante mão de obra para ser empregada.”

Quando se compara com a maior potência mundial, os Estados Unidos, fica claro o estágio atual no ciclo econômico do Brasil. A taxa de desemprego nos EUA, de 3,7% em agosto, está entre 0,5 e 1,0 ponto porcentual abaixo do nível considerad­o neutro por muitos no mercado, isto é, que não pressiona a inflação. Já no Brasil, essa taxa está entre 2,0 e 3,0 pontos porcentuai­s acima do neutro.

O hiato do produto, ou seja, a diferença entre o PIB corrente e o considerad­o como o potencial, está positivo entre 1,5 e 2,5 pontos porcentuai­s nos Estados Unidos, enquanto que no Brasil esse hiato está negativo entre 2 e 3 pontos. Em termos de inflação, o núcleo do índice de preços ao consumidor americano subiu a uma taxa anualizada de 2,2% em julho, ou 0,20 ponto acima da meta perseguida pelo Federal Reserve (Fed). Já o IPCA de agosto, que subiu 3,43% em 12 meses, está 0,82 ponto abaixo da meta fixada pelo BC neste ano.

Olhando para frente, por que o mercado antecipa que a recuperaçã­o possa engatar daqui a seis meses? Porque as condições financeira­s melhoraram significat­ivamente no Brasil.

A inclinação da curva americana, por exemplo, mostra que os juros de curto prazo (as taxas nos títulos públicos de dois anos de vencimento) estão no mesmo nível dos juros de prazo mais longo (de dez anos), enquanto que, no Brasil, as taxas dos contratos futuros de dois anos estão cerca de 2 pontos porcentuai­s abaixo das praticadas nos contratos de dez anos.

Ou seja, nos Estados Unidos o mercado percebe os juros de curto prazo já próximos do que se considera como neutro. No Brasil, a taxa de curto prazo está em nível percebido como bastante estimulati­vo para a atividade econômica. Em termos de preços de ativos, o Ibovespa fechou agosto de 2018 a 76.677,53 pontos. Em agosto passado, o índice encerrou a 101.134,61 pontos.

Sem falar que o mercado aposta que o Copom seguirá cortando os juros básicos, chegando a até 5,0% no fim deste ano, o que estimula o mercado de crédito. Não à toa, o saldo de crédito total real (descontada a inflação) cresceu 1,8% em julho deste ano em relação a igual mês de 2018. Em julho do ano passado, essa taxa sobre o mesmo mês de 2017 registrava queda de 2,2%. As concessões de crédito livre para pessoas físicas estão aumentando a um ritmo forte. Em julho, aumentaram 13,4% em 12 meses.

A melhora dos investimen­tos é um dos gatilhos do cresciment­o em economias que se encontram no início do ciclo. Por enquanto, a reação dos investimen­tos ainda é tímida.

É preciso um avanço maior na agenda de reformas para levar os empresário­s a tirar projetos da gaveta: concluir a reforma da Previdênci­a e aprovar mudanças no sistema tributário. Sem saber que tipo de impostos vão pagar, os empresário­s provavelme­nte vão deixar os investimen­tos em banho-maria, postergand­o a velocidade de um novo ciclo econômico engatar.

É preciso avançar com as reformas para os empresário­s tirarem os projetos da gaveta

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